quinta-feira, 3 de setembro de 2009

As cinco amigas - homenagem à amizade verdadeira

As cinco amigas
Homenagem à amizade verdadeira
O resto do mundo não tem graça para as meninas eternas. São gente feia, desajeitada, bisonha. Elas, sim, têm do que se orgulhar, presente e passado.
Cinco moças de fino trato. Algumas mais abonadas, outras, menos. Nasceram e cresceram em bons bairros em casas confortáveis da cidade de porte médio. Sem se importar com o futuro, o que é próprio dos que não têm que catar e contar cada centavo.
Estudaram no mesmo afamado colégio, com professores de muita classe, especialistas em ver o mundo através da comunhão da arte com o intelecto. Bela formação, portanto.
De lá para cá, amizade intocável entre elas. Pelo menos, até hoje. Raridade, em nossa sociedade de superficialidade e valores tortos. Nenhuma fala mal da outra, por mais defeitos que tenham. Ou melhor, nem os percebem ou fingem não perceber, para não macular o entendimento recíproco. Às vezes, até curtem.
No colégio, formavam um grupo tão coeso que fazia xô! para os demais.
- Aqui, não, garota! Este lugar é de Ma-ri-lia. Guardei até agora.
Os professores percebiam e aquiesciam. Até deixavam livre a penúltima fila, para que as garotas se aboletassem à vontade. Estudiosas? Talvez pouco. Mas a vivacidade e o compartilhar de tudo, inclusive de conhecimentos, compensavam a preguiça de uma ou outra. Não porque colassem desbragadamente. Apenas uma palavrinha sussurrada aqui, outra, ali. Não precisavam de muito estudo, cabeças privilegiadas de verdade. Uma passada de olhos e eis pronta a lição.
Na folga da escola, entre quatro paredes, shows de arrebatar Hollywood. Ou, pelo menos, as mães e os tios mais avançados. Nada de papais: naquela época, os homens não davam muita bola para as filhas. Um tio postiço da mais sapeca ajudava a maquinar e efetivar loucuras de todas. O moço, bem mais velho do que elas, rejuvenescia, tornava-se da mesma idade, bolava letras sempre pornográficas, em estilo chanchada requintada. Palavrões e críticas exacerbadas por todo lado.
Riam-se muito com o resultado das elucubrações de tio, sobrinha e amigas, em palco improvisado no salão do apartamento maior. Roupas imitadas às coristas de musicais, tiradas do armário de uma das mães, apareciam aos montes. Improvisavam saias curtas e longas, shorts e calças pantalonas ou do tipo odalisca que, junto com as blusas de ombro caído ou apenas de sutiãs, mais echarpes longas e saltos altos: estavam prontas para a dança à la Lisa Minelli ou Ginger Rogers.
A letra das canções de musicais famosos da Broadway se modificavam em português chulo, para encaixar as rimas da pornografia. O ai, meu Deus de espanto de uma das espectadoras, uma parenta de repente convidada, valia mais que as gargalhadas costumeiras dos programas televisivos ou mesmo das comédias usuais. Chocar era preciso.
Seriam hippies, se tivessem idade à época e morassem nos States. Certamente, escolheriam acampamentos exclusivos, com entrada proibida aos idiotas.
Depois, casamentos, gravidez, separações, doenças, lonjura uma da outra. E a amizade intacta. E o desejo aceso de se encontrar em pequenas reuniões, de preferência, sem maridos. Não esmoreciam. Sempre se dá um jeito para o encontro de belos espíritos.
Lembro-me do dia em que se encontraram num pequeno e requintado restaurante do Rio de Janeiro, nos primeiros dias do mês, como habitual. Então com quarenta anos ou mais, usavam um pouco de maquiagem, para disfarçar incipientes pés de galinha, vestidos e saias de joelho de fora ou calças compridas de ver as curvas, blusinhas de talhe diferente, coladas ou não aos corpos, sapatos da moda; cabelos longos escovados ou encrespados, riso franco em ar de permanente excitação, chamavam a atenção dos freqüentadores homens e, por que não dizer, mulheres. Graciosas, sem dúvida. Do canto de uma das mesas, o rapaz charmoso ousou olhar demais para uma delas. Imediatamente, as demais protestaram:
- Você não vai querer estragar a noite com esse cara brega, né mesmo? Vai logo dando o fora nele!
E assim descartavam um possível namorado, quiçá um marido para as descasadas. Que importa! Eram muito mais interessantes os vinhos e risos frouxos do que ficar de papo com um desconhecido, que podia ser um bobão total. Nada como uma noitada só delas!
No dia em que completaram cinqüenta anos, a festa foi num clube grande. Convidaram pais ainda vivos, maridos, amantes, demais amigas menos íntimas, para a celebração mais que grandiosa porque de uma vida em comum.
A decoração do salão com bolas de soprar coloridas, amarradas em bandos ou expostas em guirlandas, lhes lembrava a criancice eterna. Embora a orquestra se esmerasse em rocks do tempo do Mick Jagger ou em canções eternas do cancioneiro meloso norte-americano. No centro da grande mesa ao fundo, um bolo bastante taludo, para suportar inúmeras bocas alcoolizadas, ávidas de doce. E o vinho, muito vinho tinto e branco estonteava a vida para melhor.
À meia-noite, interrompidas as danças com ou sem par, o estalar das bolas e o Parabéns pra você mais caloroso que os ouvidos haviam sofrido – sofrido, sim, porque aos berros e bem desafinado.
De repente, saída aos pulos do meio das moças aniversariantes, a espevitada mor pega um pedação de bolo e o lança bem no rosto da amiga mais próxima. Esta repete o desvario com outra, que o repete com mais uma, numa cadeia de cinco frenéticas. Não paravam de se divertir com boladas, em splash de bolo esfarelado e glacê branca.
Um após outro, os convidados se retiraram. Sem despedida, espantados com a cena inusitada de comédia dos Três Patetas ou outros filmes pseudo-engraçados de hoje. Maridos mudos abandonavam as respectivas, alguns pensando em broncas em casa. Pais, mães, amigas lamentavam o comportamento que jamais lhes fora ensinado, meninas de colégio particular caro e bons modos cultivados na família.
E elas, ao contrário, felizes da vida, comentavam aos berros:
- Graças a Deus, foram todos embora. Gente careta não dá. Vamos nos lamber e nos deliciar até o amanhecer. Viva nós!
Hoje é dia de jantar das cinco. Parece que as vejo. Escolheram o restaurante mais vazio da Barra da Tijuca, para não serem interrompidas por Dá licença, a toda hora, e para maior liberdade. Vêm as do outro lado da Bahia de Guanabara e as do Rio de Janeiro. Largam trabalho, marido, filhos, para o grande encontro mensal. Secadores em punho trabalham os cabelos fartos, sem preocupação com a menopausa, que não demora a chegar. Roupas e sapatos de bossa ajustam-se aos corpos das endiabradas. Gordinhas, esbeltas e magrelas a postos, na melhor fashion exclusiva. Estômagos roncam, mas nem bolachinha ingerem, para não atrapalhar a expectativa gustativa. Água gelada e olhe lá, até o primeiro manjar e gole de vinho, tudo recomendado pela amiga especialista em pratos de mestre.
A postos, assentam-se em torno da mesa redonda, arrumada para festejo solene. Beijos distribuídos entre risadas, pedem a primeira garrafa de vinho tinto português, em homenagem ao avô de uma delas. Tudo comme il faut.
A luz do restaurante é um tanto fraca, como convém aos clientes de meia-idade ou quase. Recusando-se a colocar óculos de grau, a mais vaidosa entre vaidosas não enxerga bem o nome do vinho. Pede ao garçom que lhe dê um foco maior de luz. O moço prontamente obedece. De repente, um grito de horror:
- Minha nossa, um fio de cabelo branco do MEU cabelo acaba de cair no meu prato. Vou pra casa chorar. Acabou-se a festa!!!!!!
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Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren