terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Belas Mortes

Belas mortes
A morte tem sido retratada nas artes da pior maneira possível. Hora, um cavalheiro de olhar maligno, joga xadrez com outro, nitidamente para o derrotar e matar, no momento em que julgar adequado: Ingmar Bergman e seu cinema belo-terrível.
Outras vezes, uma espada enfiada em direção errada e lá se vai Polônio, pai de Ofélia, um homem bom, no meio de tanto cafageste – Hamlet, de Shakespeare. Ou um veneno colocado em copo errado – também no Hamlet, no teatro de Shakespeare.
Ou em pinturas antigas e modernas. A Guernica, de Picasso representa muito bem a violência da guerra na Espanha do início do século XX, com os pedaços de gente a voar pelo espaço. Morte brutal, pois. Nem precisa tanto. Basta assistir às notícias da Síria, do Líbano hoje, do Afeganistão e do Iraque ontem, para ver morte por todo lado. Nas cidades grandes, as guerras do tráfico e do trânsito aniquilam até mesmo crianças.
Mas, como é difícil ao ser humano aceitar a inevitável conclusão da vida! Verdade é que o fim da vida é tabu para a maioria dos seres humanos, religiosos ou não, salvo as exceções mais fanáticas,  que se sentem vivos de cabeça, tronco e membros e a morte não lhes passa pela cabeça. Ou os homens-bombas, que terão Alá a recebe-los no paraíso –será?-  novidade dos islamitas de hoje.  E mesmo os tronchos de doença não querem sair do que lhes é familiar para o total desconhecido. Preferem andar de cadeira de rodas ou nunca sair de casa. Deixar este mundo por vontade própria somente os deprimidos sem cura.
Claro que há os heroís verdadeiros que se arriscam a morrer para salvar os outros. Vide os bombeiros, que fazem disto profissão, que horror!
Dentre as mortes que viví, a do meu tio mais bonito foi uma das mais terríveis: atropelado, quando saía de uma festa, aos cinquenta anos. A da amiga muito próxima, que me deixou uma trava eterna na garganta, assolada por câncer generalizado, em uma semana de descoberta. Barra pesadíssima.
Conheci uma única pessoa que, cansado de sofrer ou por acreditar num Deus à sua espera, disse, de repente, aos que lhe cercavam a cama de moribundo sofredor, já com mais de setenta anos: - Chega! Fechou os olhos, decidiu recebr a temida e pronto!
Há, no entanto, um jeito de morrer que eu trato de nunca esquecer, por suave e merecido: o de minha mãe. O neto andava adoentado e a visitava todos os dias, sem falta. Precisava de seu carinho mais que de comida ou medicamento. Ao rapaz não lhe importavam a quase cegueira, a mudez de pequenos gemidos, sem palavra articulada, a pele ressecada e flácida, o ligeiro tremor das mãos. Sentava-se a seu lado no sofá da sala acanhada, ele grandalhão bonito; ela,  idosa encarquilhada de oitenta e nove anos, ainda com raros resquícios da beleza de outrora: as pernas, por exemplo.
 A televisão com qualquer imbecilidade era prêmio, porque pretexto para o casal passar horas e horas de mãos dadas, namorados platônicos, alimentados pelo amor recíproco. O enlevo só se interrompia para a papinha dela e o sanduiche dele.  Tarde de chuva de verão não os amedrontava, ainda que o barulho forte dos trovões assustassem um pouco, fazendo mais agarradas as mãos. Curavam-se ambos pelo carinho recíproco.
Uma bela tarde, a vovó do rapaz engoliu sem mastigar a papinha de sempre, sentou-se no sofá com o neto, televisão ligada. Não se deram as mãos. De repente, sem um ruído, ela pendeu a cabeça para o lado dele mais que o comum. Apoiou-se no ombro do neto, estática. Era ela, a morte, não pressentida pelo neto. Sem gemer, nem tremer, calma, minha mãe consentiu em deixar este mundo, Como um passarinho. Ai, quem me dera!
Maria Lindgren

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Textos quase esquecidos

Esqueci de postar meus textos de Natal - Repetição desigual e de Ano-Novo - Ano-Novo, meu Deus

Aí vão meio atrasados. Sorry! Maria Lindgren

Repetição desigual
           
De repente, estou muito só, mas muito mesmo. O velho nó no estômago começa a  apertar de modo inusitado. Como um alicate delicado, mas fiel à sua função. Decido, pela milésima vez, ir a um psiquiatra. Não é possíbel repetir sensações nauseabundas todos os anos de uma vida longa. Há que experimentar mudanças sempre, coisa que, cada vez mais, desanimo de levar adiante. Claro que, na minha idade, nada pode ser “para melhor” - penso, com meu realismo de quem leu e sentiu muito Fernando Pessoa.
Chega uma amiga sem aviso - raridade nos tempos atuais. É vizinha e nunca havia entrado no meu escritório. Convido-a a conhecer tudo e ela para diante das fotos, que exibo com o maior orgulho: meu filho com três anos, seu cabelo e sorriso inimitáveis, o mesmo filho muito mais velho, agora com a filha, minha sogra e meu marido - essa mania de ser a fotógrafa sempre me exclui em dia de festança, Darcy Ribeiro de braços abertos à vida e os dizeres que o tocaram sempre para frente “ Depende de nós”, eterno exemplo para os desanimados e, finalmente, mamãe e papai, lindos nos seus quarenta anos, a se olharem com amor.
Que ideia esta de cavucar fotos íntimas perto do Natal! E para uma sehora que nunca conviveu comigo antes deste apart de hoje. Como pode ela entender a dor da única foto que eu não queria comentar e acabei por faze-lo: a da amiga de braço dado comigo, que morreu cedo de câncer.
Faço uma baita força para não dar vexame e tiro a vizinha para a sala, quase a empurrá-la, ela que é a única a procurar me ver e agradar. Ingrata, penso que devia ir mais à cobertura onde ela mora, mas nunca obedeço direito aos ditames das obrigações, com todo o meu catolicismo.
Volto à solidão e a dar uma olhada no casal “culpado” de meu nascimento. Lembro-me da estúpida diferença de meus Natais, conforme as mudanças de vida.
Primeiro, a árvore de Natal pouco importava, Jesus na manjedoura, sim. Relembro os presentes inúmeros, a mesona do almoço (meu pai celebrava  o Domingo de Páscoa), os convivas, inclusive um ou outro padre,  impecavelmente vestidos todos, inclusive a mesa de linho branco, a louça portuguesa Vista Alegre, os cristais, a prataria... Nada de guardanapos de papel. Meu pai à cabeceira, minha mãe à direita e o resto que se espalhasse. Meu Deus, que saudade! Por ultimo, o brinde com vinho do Porto do norte português.
Depois, a celebração com os filhos ainda crianças, um calorão dos infernos que nos obrigou a ficar quase pelados, elegâncias jogadas no lixo, mas uma alegria total. Tantos presentes que o baú do quarto infantil teve que ser esvaziado para que nele coubessem os novos brinquedos. Gritos e risos até à hora de dormir.
E ainda, os Natais de muita dificuldade posta de lado, depois da saída do primeiro marido, celebrado com gente amiga, jovens que não tinham “Programa de Natal” nas famílias, talvez por serem de outras cidades longínquas ou outras religiões. Vinho tinto, cerveja, cada um trouxe um petisco, felicidade a ocupar assentos e assoalho do salão, junto com meus filhos, por certo. Nada de presentes: todo o mundo duro. Isto à noite, entrando pela madrugada adentro. No dia seguinte, simplicidade e boa comida no almoço dos avós de meus filhos.
Casamentos, separações, formaturas, mortes... e o Natal minguou junto com a redução da familia. Ainda se tenta um bacalhauzinho de nada, um presunto ou chester de forno, umas castanhas, umas rabanadas, uma ou outra fruta... Tudo diet.
Verdade que, até uns dois anos atrás, as tentativas de retomada da celebração continuaram, numa ou noutra casa. Quase sempre na mais espaçosa. Cada vez com menos presentes e um calorão “da gota”, como diz uma de minhas amigas mais conservadoras  de adjetivos e expressões das antigas.
Se não fosse o nosso coral do Colégio Santo Agostinho, que me ajuda a saborear  a vida e recorda as canções natalinas antigas (porque novas não as há)  em geral herdadas dos protestantes norte-americanos, e a minha Igreja de Santa Mônica, que não deixa de aclamar com presépios e flores o nascimento de Jesus Cristo, a esperança dos homens de fé, eu me internava em lugarejo sem religião ou misticismo e... chorava.

 Ano Novo, meu Deus!

A cada ano, penso que não vou resistir às Festas. Este ano, eu fujo, digo e repito, de outubro em diante. Acabo em casa sempre, por consideração aos “alguéns” da família.
Nos meus muitos anos novos passados bem, mais ou menos ou mal, conservava a ilusão de que tudo podia melhorar, tapeação vulgarizada por todos os meios e mídias. Não sou diferente agora, não me tornei mais realista, apesar de, sem dúvida, ter ficado um pouco mais temerosa com o longo caminho percorrido.
A cada dia de dezembro, o que presencio e compartilho é a repetição dos bons votos de e para pessoas, às vezes, quase desconhecidas: empregados do nosso prédio, minha empregada de mais de 15 anos de casa, motoristas de taxi, atendentes de lojas... Enfim, toda a gente quer para sí e para os seus um  Natal e um Ano-Novo “da pontinha”, como falava minha mãe. E fica muito grosseiro guardar os votos para sí mesmos. Hipocrisia, às vezes, ajuda.
            Meus primeiros festejos de passagem de ano não se chamavam ainda “réveillon”, termo de gente metida à besta com o uso de palavras estrangeiras, hoje vulgarizado. Minha família passava a meia-noite  rezando e iamos dormir, sob um ou outro barulho de fogos. Poucos e nunca confundidos com as balas delirantes, soltadas para o ar pelos bandidos de minha cidade atual. No dia seguinte, missa sem falta, nem que não tivéssemos pecado na véspera. A igreja do bairro era o centro das atrações de meu pai e ele nos forçava a segui-lo, pelo menos, no dia primeiro, mesmo depois de uma longa noite anterior.
            Muitos anos depois, lembro-me de fato inusitado: - Vamos jogar flores para Iemanjá! - disse meu irmão diplomata um belo dia, recém-chegado de alguma parte longinqua do mundo. E  nos enfiamos, os três irmãos, mar adentro, com flores em honra da Rainha do Mar, catolicismo posto de lado. Depois, sim, um bocado de festa pagã  para “distrair os miolos”, outra fala de minha mãe.
            Não teve resultado positivo algum a crença e o ato ignorados por minha gente. Acho que nossa fé estava alhures. A coisa ficou feia naquele Ano-Novo pós homenagem à Iemanjá: meu pai perdeu toda a sua fortuna. Tristeza familiar sem cura,  só houve um jeito: à hora da mudança de ano em novo dezembro, o filho homem saiu da sala correndo e deu descarga na privada. À meia-noite em ponto. Depois do espanto geral,  risos nervosos, cara cheia e pronto.
            A macumba na praia marcou meus primeiros anos de Rio de Janeiro, muito mais que fogos e multidão. Vi muita senhora elegante jogar flores brancas, vi muitos Pais e Mães de Santo a segurar mulheres em transe, logo à beira da arrebentação do mar de Copacabana, em rito estranho para católicos de verdade.
Além de proibirem o espetáculo de candomblé - certamente por cafona demais, não sei, e substituírem-no por palcos montados na praia para shows, tiveram que acabar com os fogos na areia, que meus filhos viam em mescla de medo e êxtase, para minha grande preocupação. Tudo na paz de Deus, um queimadinho ali, outro aqui, sem o aperto, o alvoroço e os turistas de agora. Morávamos logo ali, no Lido, a uma quadra da praia. Assim, seguíamos o fluxo da platéia, acho que todos bem cariocas, que afluíam aos montes pelas ruas laterais, um pouco bêbados talvez e muito cheios de energia. Um espetáculo bonito, sem grandes estardalhaços.
Depois, o que era receio transformou-se em realidade: os fogos fizeram vítimas sérias. Os organizadores iniciais foram despedidos pelo Sr. Prefeito, sem dó nem piedade. A prefeitura apelou para as balsas, de maior segurança, sem dúvida, mas sem a graça do ao vivo dos fogos de artifício, no céu bem próximo de nós.
            Filhos grandes seguiram cada qual seu jeito próprio de comemorar . Nós, os adultos, fazíamos um grupelho, para curtir a grande festa. A cidade cresceu em movimento constante, os turistas de outras partes do Brasil e alguns de fora começaram a desejar a luxúria e a confusão do famoso réveillon da Cidade Maravilhosa. Resultado: milhões de pessoas, em geral jovens ou ainda pessoas com forças para varar a noite em pé. Verdadeiro tumulto de show de rock na Copa cabana  do Rio de Janeiro.
Adeus, cidade mais civilizada, restou aos cariocas sair para resorts, casas de praia e campo ou mesmo lar de seus parentes do interior. E nós, como ficamos nessa noite de alegria obrigatória? Consolo da tevê a exibir as maravilhas da Passagem de ano em outras terras, Prosseco na mão, que champanhe está caríssima, e brindes, nem que seja a dois ou a três, no máximo, ao ano que chega. Sem choro de emoção, mas com alguma esperança.
As tragédias não vão acabar, mas quem sabe o Ano das Olimpíadas no nosso Rio de Janeiro não nos traga o alívio de alguns campeões nossos, amém. Vamos torcer! 
Maria Lindgren


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Papo de amigas


 Papo de amigas
Sentaram-se para se deliciar com um chá inglês verdadeiro. A las cinco em punto de la tarde. Tinham que se regozijar do encontro e do friinho do inverno carioca. Só mulheres. Nenhum homem para colorir (ou atrapalhar?) o ambiente da casa de Lila, viúva há muitos anos.
Claro que ninguém esperava grandes acepipes: a reunião se repetia pelo menos duas vezes ao ano. No verão, ar condicionado a toda e nada de chá. Refrigerantes Zero e migas argentinas. No máximo, um vinho branco bem geladinho alemão ou italiano ou um tinto chileno. Nenhum trabalho caseiro para gente de certa idade, graças a Deus!
Cinco mulheres avançadas em anos e em cabeça, mais uma moçoila no “frescor” dos cinquentinha. Para ela e a tia, o vinho bem escolhido.
Mal colocavam os bumbuns nas poltronas e sofás, o papo rolava fluido, ameno, entremeado de sorrisos. Nenhuma almejava exibir-se com brilhos de trajes ou inteligência. Doença, tema proibido. Morte, nem se fala. Recordações, claro que muitas.
Nessa tarde de céu opaco de invernículo, de repente, o primeiro episódio da conversa, desenrolada até o final do encontro, entre goles de chá de aquecer gente do frio, quanto mais brasileiras.
- Sabe da última do clínico de D Rosalina? Quando ela lhe telefonou agoniada, com falta de ar e uma dor de cabeça daquelas, ele lhe disse, voz decidida: - Não posso falar agora. Estou brincando com minha filha mais nova. Vejam que loucura: D. Rosalina tem noventa anos! Claro que precisava ouvir algum conselho médico, né mesmo? Talvez ser levada a um pronto-socorro. Velho degringola a-toa, né mesmo?
Entre um abocanhar de migas argentinas, de financiers e outros docinhos típicos da cerimônia improvisada, as vozes se misturavam em duplas, tercetos, quintetos... bem desafinados, por sinal. Todas queriam seu quinhão de contadoras de casos. O que parece abundar em vida de gente vivida. Difícil um senhor ou uma senhora sem assunto para expelir ou rememorar. Inda mais em grupo de amigos do mesmo repertório.
Foi a vez de Lucia e sua narrativa de certo interesse, logo transformada em ímpar pela unanimidade nada burra das senhoras presentes. A voz lhe saiu meio titubeante, como era agora seu jeito de falar, depois dos achaques da idade.
- Ouvi ontem na tevê que um hospital do nosso estado – sempre em mau estado a saúde (rs) – descartou no lixo um montão de fichas sigilosas dos pacientes. Olha só que falta de ética. Bem que podiam tacar fogo nas fichas muito velhas ou salvar tudo em pen drive de computador bem atualizado.
- Muito pior que isso é jogar no lixo material usado, excedente de cirurgia. Ainda tem hospital que não dá a mínima para lixo hospitalar  e o joga em lixo comum. Em plena época de preocupaçãp ecológica – emendou Marcia, viuva de médico.
Depois que os estômagos sossegaram da náusea causada pela ação porca, Maria Alice resolveu amenizar a conversa com sua fala excitada, cheia de vitalidade.
- Grave e pitoresco ao mesmo tempo foi o que aconteceu com Isabel, aquela minha amiga que escreve para a TV Globo, lembram? Ela estava em vésperas de aposentadoria e precisava de um atestado de que tinha trabalhado num desses municípios da Baixada Fluminense. Se mandou para lá, enfrentando trânsito e ruas de meter medo. O trânsito, porque repleto de “barbeiros” imprudentes que sinalizavam para a direita e iam para a esquerda, buzinavam a pedir passagem pela esquerda e corriam a passar a frente à direita, sem nenhum respeito ao código. As ruas, porque cheias de prédios caindo aos pedaços, sem plano arquitetural, sem a mínima conservação  e raros passantes a pé, com cara de quem não visita loja nem toma banho há muito tempo. Maria Alice, coitada, chegou lá esbudegada de cansaço, para ouvir da atendente mal-humorada: - Não posso dar nenhum documento antigo porque os cupins comeram o nosso artigo morto. Como se a fome dos bichinhos danados do tempo de Kafka transformasse os preciosos papéis em alimento amarelo e empoeirado.
Os risos discretos cresceram. Meu Deus! Que coisa a burocracia brasileira! Somente os cupins aguentam e se regalam com os papéis bolorentos. Tecnologia do século XX e XXI, para quê? O serviço público brasileiro não muda de século, as repartições públicas tomadas por onda gigantesca de papel e organizadas a lápis colorido, no máximo caneta pilot, tudo feito a mão pelos secretários ou atendentes mais jeitosos, daqueles crentes que são artistas.
E o péssimo gosto começa nas escolas em decoração das salas do diretor, nas salas de aula, por toda parte. Imagina o que nossas crianças não sofrem de má influência,  sobretudo na escola pública! Não é a-toa que a cultura brasileira de boa qualidade não tem incentivo. Em qualquer área, prevalece o gosto duvidoso, herdado da educação infantil.
As duas professoras aposentadas deram um suspiro de tristeza. Lembravam-se de suas escolas mal decoradas por toda parte.  Uma delas se lembrou de ter pedido um documento qualquer para aposentadoria, que deveria estar num arquivo do computador, e a resposta foi:
- Vai demorar uma semana. O sistema está fora do ar e não anda nada bom. Até chegar um técnico e consertar, leva tempo.
De repente, uma voz mais exaltada, saída de algum canto ou do céu, quem sabe? - Gente, parem de reclamar! Vocês todas tem mais de setenta anos e ainda se queixa? Em vez disso, deviam ajoelhar e agradecer a papai do Céu a benção de serm idosas e ainda usufruirem de boas companhias!
Silêncio. Seguido de mudança de postura. As que ainda podiam, ajoelharam-se em plena sala, sem medo do ridículo, as demais, continuaram sentadas. Mas todas, sem exceção, rezaram em uníssono o Padre-Nosso mais grato que já se ouviu no Rio de Janeiro.
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Até breve, se Deus quiser!


Maria Lindgren

domingo, 14 de abril de 2013

Deslumbramento

Minha gente querida Aí vai mais um texto meu. Espero que apreciem. Adoro leitores. Façam crítica, sim?

               
 

Deslumbramento

Oitenta e cinco anos e uma vida de desejos cada dia mais difíceis de realizar, eu sei. Exercito meu corpo, minha maior preocupação e, por que não dizer, alegria. Desportista amador em time de volei de areia organizado pelo meu pessoal do banco em que trabalhava.

A contragosto, passei para a corrida no calçadão, depois, passinhos bem rápidos, finalmente, caminhadas de passo lento. Deixei meio tristonho os colegas ao pé da rede, mas conformado: ninguém gosta de gente brocha na vida esportiva.

Se encontro com eles, aperto o passo: não dou o braço a torcer. Aliás, nem sei porque essa vaidade toda. Meus amigos praianos daqui a pouco vão estar que nem eu: aposentados do caixa de banco, sem grana e  cheio de dores. Joelho, então...

No tempo de caixa de banco, eu vivia me queixando. - Meu Deus, ter que lidar com dinheiro é fogo. Quanta gente chata! A velha reumática sem acompanhante nenhum não sabe nem o número da conta, que dirá senha de cartão. A moça aposentada por neurose treme tanto que o cartão cai várias vezes no chão e os vizinhos de fila têm que apanhá-los. O moço uniformizado de não sei quê é burro demais: custa a entender que dia de pagamento o banco fica cheio e reclama comigo que não tenho nada a ver com isso. A curadora do filho doente pensa que tudo se justifica, só ela tem problema, exige atenção especial até do gerente... Eu achava que um dia eu dava um berro, mandava todos para o inferno. Ou, mais simples e  menos pecaminoso, à merda.

Aposentei-me com os famigerados trinta anos de serviço público, que meu banco é público. É tempo pra burro. Eu não aguentava mais. Ganhava uma miséria, mesmo com as greves seguidas que fazíamos. Eu, claro, aderia, sem pestanejar. Até para a porta do banco eu me mandei, com risco de receber uma cacetada da polícia, que teve que ser chamada muitas vezes, para acalmar a turba.

No dia da aposentadoria, que festa os colegas me fizeram! Até Prosecco tinha. Claro que champanhe não dava para os bolsos furados. As moças trouxeram salgadinhos e um bolo brigadeiro incrivel. Nunca fui tão feliz. Nem nos tempos em que achava que banco pagava bem e me metí a estudar para o concurso, com uma garra! Trinta anos de caixa, gente, é danado pra qualquer um. A bunda não aguenta mais ficar assentada numa cadeira dura o dia todo. O corpo fica moído.

Depois, estranhei a falta da rotina. Quase fiquei deprimido. O doutor do Plano de Saúde que me deu um antidepressivo e um conselho sábio foi quem me salvou:

- Jamais pare de fazer exercício com o corpo!

Moro perto da praia dos maduros e quase-caducos de velhice: Copacabana. Um verdadeiro presente. Chuva fina  ou sol mais ou menos, lá vou eu ao passeio pelo calçadão. Durante anos, com minha mulher; sozinho, depois de viúvo. Talvez minha passada seja ridícula de pequena, meu joelho não dobre bem, mas ainda tenho bastante garra. Do Posto Cinco ao Leme, lá vou eu devagar e sempre, impulsionado por vento e vista, na praia mais linda do Rio. A que atrai mais turistas, até hoje.

Paro para uma água de coco, respiro fundo e continuo, mais refrescado, mais atrevido. Sinto-me bem, um atleta ainda e sempre. Enquanto há vida, há atletismo, sinônimo de saúde. Tosas as mahãs e à tardinha, o mesmo programa: caminhar, ver gente animada de todas as idades.

Nem preciso botar despertador: às seis e meia, me levanto , tomo café da manhã e... praia. Estou morenão, com a careca protegida pelo boné, que não sou bobo. Ganhei um de meu filho mais velho que mora sabe onde, na Bulgária. É todo vermelho, com letras brancas na frente, escrito Sofia, Bulgary. Acho que ainda é homenagem ao comunismo que já acabou há muito tempo.

A dor de cabeça, a tonteira e a voz sumida, caso de minutos. Pânico geral. Doutores da melhor qualidade vaticinaram o acidente vascular cerebral grande, sem cura, por certo. Eu não entendia nada. Aos poucos, disseram não sei a quem que o coágulo se ajeitaria no cérebro ou se diluiria. Com o tempo, se não houvesse nenhuma complicação.

 Quero falar, quero me mexer na cama, nada: apenas rostos embaçados a minha volta. Nem sei como tomo líquidos. E toca de exercícios, toca de esforços: uma infinidade. Nem assim. Ah!, meu Deus! Que saudade do tempo em que vivia a brisa da praia no outono bonito da cidade! Ou mesmo no inverno de pouco frio! No verão tórrido, menos, confesso.

Respiro melhor, balbucio palavras, como se perguntasse à moça de branco o que tinha havido, quando ia poder sair de casa. Ela disfarçava, não dizia coisa com coisa. Caso muito grave, pensa ela. Levaria meses até que pudesse transformar os sons em palavras articuladas. Fazia pequenos movimentos, mais tarde gestos, soltava  gemidos altos que só faziam irritar as pessoas. Braços, mãos, pernas...tudo esquisito.

Estou melhor um pouco, não sei. Olho para o lado da cama e vejo uma cadeira à minha espera. Ah! É uma cadeira de rodas. Nem que seja para andar pelo quarto, ir até à janela, aos poucos, quem sabe, à sala, à varandinha...

Olhar pela janela já é pedir demais. Embutido em mim mesmo, autista sem o ser, eu definho, eu sei, mais por falta de interesse do que de músculos. Depois de um tempão, decidem me colocar a muque na cadeira. Que drama! Muita agonia, muito suor e, afinal, aleluia! Sentado, levam-me para a janela do quarto, mas não dá para ver grandes vistas. Uma nesga de céu e olhe lá. Consigo ver a chuva, que bom! Não saio há meses.

 Se ao menos morasse em casa com quintal, logo perdia essa cor amarelada, todos concordam. - Coitado, está melhor. Parece que quer dizer alguma coisa importante e a gente não entende -, fala a enfermeira.

Reza, choro, ranger de dentes e ínfimos progressos. Pode-se dizer que eu me limito a abrir a meia-boca para comer as papinhas, que não me pedem esforço brutal. Não sinto fome, sede, nadinha do que um ser humano necessita para minimamente alimentar o corpo e viver. Nem vontade de fazer xixi. Que dirá, cocô. Os pensamentos, esses, não estancam. Misturo lembranças do passado, com medo do presente. Não penso na morte porque tudo é pouco nítido, quanto mais uma coisa que ninguém conhece antes da hora.

 Depois de um ano de labuta médica, enfermeira trocada mil vezes por implicância familiar – aí incluidos a filha casada e os netos maiores – o som da primeira palavra articulada:  pppraaaia. Aleluia! Falei e disse!

Contente da vida, a acompanhante mais ágil que o resto me coloca na cadeira quase sem esforço, porque quando se quer se consegue – meu lema atual. Vai comigo até o elevador acho que de serviço, porque cadeira de roda não serve para elevador social. Pede ao porteiro que abra a porta da frente do prédio e... a rua, gente! Parece Lisboa mais bonita ainda, com suas pedras portuguesas bem colocadinhas todas. Carros e carros, que progresso! Cada prédio, mama mia! Encho meus olhos de lágrimas: pura alegria. A cadeira empurrada pelos dois quarteiróes que me separam da Avenida Atlàntica, o vistão. O  sol parece luz de quase cegar, a pleno vapor, o céu azul claro ainda mais nítido que no verão, a brisa do outono fresco a me bater suave no rosto. Estou no calçadão de meus amores, enfim. Olho  o estirão de areia que me parece muito limpa, passo a vista nas as ondas a baterem amantes em dia de amor calmo, no verde-azulado do marzão que vai dar na África. Inspiro o ar mais e mais, saído de um pesadelo, sorrio para a acompanhante mais simpática e eficiente deste planeta e, em muito menor esforço de cabeça e boca,  peço à moça : á...gua de cooo....co.

Desse dia em diante, quem passar às oito horas da manhã pela praia urbana mais famosa do mundo, verá no calçadão um senhor todo de branco – bermudas, camiseta e tênis, chapéu de caçador em safari na cabeça – não se passa para ridículos bonés -, sentado numa cadeira que brilha ao sol, acompanhante sorridente ao lado: o nosso homem em franca recuperação. Nem eu mesma quero perder o dia em que o vir em pé, ensaiando os passinhos curtos que o levarão de vez à felicidade.

Maria Lindgren





quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Carná chegando

Carná chegando O Rio de Janeiro continua lindo.../ Em fevereiro, tem carná...(Gilberto Gil, 1972) Ouço ao longe a charanga meio desafinada e o típico rufar dos tambores pacíficos (?) do Carnaval do Rio. Meu corpo responde, nem sei bem porque, com um arrepio de outrora. Parece que me vejo faceira a remexer os quadris no meu quintal de menina, em fantasia de baiana, em homenagem à Carmen Miranda, uma das precursoras das marchinhas carnavalescas com Taí, dos anos 30. Da porta da cozinha, mamãe bate palmas de aprovação, em riso aberto, enquanto minha irmã assiste sem grandes entusiasmos. De tardinha e à noite, choro e ranger de dentes porque meu pai, católico fanático, detestava a manifestação dos pouco ou nada religiosos: - Carnaval é coisa do diabo. - Depois, a gente confessa, retrucava mamãe. À mãe e à filha mais nova somente importava a excitação do samba e das marchinhas no rádio, decorados meses antes, com a atenção dada aos livros herméticos de filosofia que, aliás, aprendi a odiar na Faculdade de Letras, por impingido à turma de qualquer jeito. Ah, Heidegger de minhas insônias! Grande animadores do Carnaval os do rádio daquele tempo. Valia o momento em que se vivia a felicidade. Coisa ruim, só para fazer gozação. Grupos de músicos de fama ou mesmo desconhecidos do grande público surgiam daqui e dalí. Melodia e letra aprendidos, ainda que, em criança, nem sempre entendêssemos as mensagens: elogios políticos Bota o retrato do velho, outra vez/ bota no mesmo lugar.... : racismo óbvio O teu cabelo não nega, mulata...; capitulação à beleza: Branca é branca, preta é preta/ mas a mulata é a tal.../ ; situação financeira precária remediada pela cachaça: Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...; preconceito disfarçado contra os homossexuais masculinos: Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é/ será que ele é...e tantas outras, inspiradas no cotidiano. Mistério para nossas mentes, alegria para vozes e rítmos infantis. O resto eram marchas-rancho, trégua ao cansaço dos foliões: A Estrela Dalva, no céu desponta... / Um pequenino grão de areia/ que era um pobre sonhador.../ Bandeira branca, amor, não posso mais... Será que se acabaram os compositores carnavalescos ou foi a qualidade das mídias que deu na desgraça que deu. Ou ainda, será minha rabugice de gente velha, que não acompanha o “evoluir” do mundo? E o samba-enredo das escolas, minha gente. Era calmo, bem compassado, ritmado sem grandes pressas, dava tempo dos passistas e da bateria exibirem seus dotes. Autênticos, saídos às vezes de pobres com falhas de dentes, e de seus amigos próximos, choravam as mágoas ou o bom da vida, em plena Praça Onze ou na Avenida Presidente Vargas, sob os aplausos delirantes da platéia, atrás dos cordões de isolamento, onde coubesse mais um corpo cheio de remelexo. Nada de camarotes especiais para gente endinheirada e turistas idem, que estes tinham os grandes bailes onde se exibir. O mais famoso, o do Teatro Municipal, sem dúvida, com passarela e tapete vermelho tipo Oscar do cinema hollywoodiano, para os plebeus apreciarem de cá de baixo, no chão da Cinelândia, o desfilar das fantasias da elite. Não falo aqui do que viveu minha família materna, por antigo demais. Acho que os carros alegóricos de hoje devem ter sido inspirados nos desfiles do Corso em carros abertos, assistidos por minha mãe, boquiaberta pelas fantasias, pelos frascos de lança-perfume, pelo confete e pela serpentina. Ou, mais certo ainda, vieram das endiabradas Sociedades Carnavalescas, frequentadas por meus tios “da fuzarca”, como dizia minha mãe. Relembro os blocos de rua a que assisti desde muito nova, pela mão materna, na Avenida Rio Branco, vindas de barca lá do outro lado da Baía, onde morávamos. Escolhíamos as imitações mais grotescas: figuras fantasiadas de Carlitos, homens-homens vestidos de mulheres com a roupa das irmãs, caricaturas dos políticos da época, jovens bem barrigudas vestidas de noiva... Imitação irônica do que sobressaía no cotidiano do povão carioca de meus amores. E muito mais tarde, casada e com filhos crescidos, nos anos de 1980, me dá dor a lembrança da participação fantasiada e tudo, no bloco do Clube do Samba, de João Nogueira, em vários carnavais, junto com meu companheiro carnavalesco e outros amigos, bem chegados aos pulinhos, pulões, requebrados etc., compartilhando o Carnaval com Elisete Cardoso ou Bete Carvalho, para minha grande emoção. Ou do dia em que, no Sambódromo ainda de arquibancada improvisada, nos atiramos à passarela, arrebatados pela Verde e Rosa, Mangueira querida, gritando com Jamelão o samba-enredo vencedor, aos saltos de satisfação pela grande vitória. De lá pra cá, quase nada. Um ou outro samba e enredo por acaso prestados à atenção na correria com que têm que passar os sambistas, a bateria e os carros alegóricos descomunais, devido ao crescimento das Escolas, entupidas de celebridades e gente de fora. Muito bloco de maioria jovem, nas ruas dos bairros da Zona Sul, que não posso usufruir bem sem o gosto tão saboroso da mocidade; o desfile na TV até meia-noite, uma hora, ou no dia seguinte, se o desfile avançar manhã a dentro, como é habitual. E só. Ai, meu Carnaval tão querido! Maria Lindgren

sábado, 11 de agosto de 2012

Texto para o Dia dos pais de 2012

Serra do Marão, Portugal, cópia da Wikipedia, infelizmente não saiu a foto. Caprichei tanto e bobeei. Lá vai o texto Do que foi feito Meu Pai Lá longe, no alto de um monte, na Serra do Marão, uma casa branca, a única a se destacar na paisagem. Até hoje. Ainda que coberta de vazio por todos os lados. Lá dentro, a família grande se reunia na cozinha, perto do aquecedor rústico, para espantar o frio do inverno rigoroso. Rigoroso? Talvez nem tanto. Mas para os que não tem muitos recursos e moram na parte mais elevada da aldeia é de bater queixo, sim. Minha avó, meu avõ, meus tios e tias, meu pai criança. Cheiro de pão feito em casa e de bacalhau cozido. A beleza tinta do vinho da terra. E os rostos avermelhados por conta do calor do fogo, as crianças e da mistura com bebida, os adultos. Todos ao leito, logo após. Mil mantas sobrepostas. Depois, a manhãzinha, orvalho gelado, quase neve ou raramente, neve, e o campo a esperar as mãos calosas dos adultos em boa idade para trabalho pesado e a escola, para os mais jovens. Até os onze anos de do menino José. Depois, lar deixado à força, por interferência maldita de um idiota, padrinho dele. “Vai ficar rico, vai ficar rico”! Viagem atormentada em mar cruel, criança em prantos, e as canseiras do exílio involuntário, como todos os exílios do mundo. Duro labor para uma potencialidade intelectual grande, a vida mais poderosa do que o chorar contínuo a empurrar para frente a ânsia de conhecer mais, sempre mais, nos livros de sua paixão, conseguidos ninguém sabe como, lidos e relidos com o coração a palpitar. Mais tarde, mais força, mais trabalho e a religião como amparo. Muito amor para dar, sem modo de o demonstrar à bonita morena brasileira, acompanhada da mãe, como de costume, e aos filhos. Sem queixa, às vezes bruto, às vezes terno. Como não podia deixar de ser um garoto retirado de casa de sopetão, na infância ainda. Casamento sem noivado, casa nova, leitura variada dos clássicos portugueses e dos brasileiros, talvez de um ou outro francês. Poemas menorizados e escritos até. Alegria, afinal. Esforço de doer as costas, muita oração, família pequena, aumentada pelo irmão imigrante, eis a argamassa do edificar o imigrante. Forte alicerce para resistência aos tropeços enormes, ao longo da existência: perda de filhos não-nascidos, desperdício involuntário da fortuna amealhada, separação dos filhos criados, como é natural, doenças de bom comedor e do pulmão enfraquecido, a morte sem ar. Herança de cabeça rica, leituras partilhadas, carinho disfarçado, ai, que saudade!

O neto ( tradução que fiz do meu próprio texto em espanhol

O neto - Menina, como você está bem! Que que você faz para ter essa figura de dar inveja? Os anos não passam para você. Todos a elogiavam, menos alguns vendedores do povão que a chamavam de Tia, com ar de quem quer dizer velha tia. Ainda não tinha o apelido de vovó. Mais alguns anos... Dolores certamente não aparentava seus sessenta e sete anos. Não era magra, nem gorda. Esbelta, cultivava o corpo na ginástica desde os quinze anos, pelo menos. Mulher “moderna”, tentava seguir a moda sem medo de parecer ridícula. Às vezes, usava a saia acima do joelho e uma blusa apertadinha lhe marcava os seios e a cintura: uma moda para garotas,em 2010, que as mulheres mais velhas não devem adotar. Exceto quando conservam um corpo perfeito, o que é quase impossível para a maioria das brasileiras, adeptas do feijão com arroz. Seu pesadelo, a idade. Pensava em coisas excitantes que seu corpo e seus hábitos não lhe permitiam mais e se angustiava. Até os quarenta e tantos, era possível ter fantasias de festas monumentais, trajes novos a todo momento, mil amigos, namorados e, em seguida, um marido sempre companheiro de farra. Filhos criados, marido morto, ameaça de solidão a lhe atrapalhar a vida, enfraquecendo sua vontade de experimentar todas as sensações. Aos poucos, a depressão envolvia-lhe a alma, o corpo começava a marcha inexorável para o encolhimento, produzindo-lhe uma curvatura grande nas costas. Sempre evitava olhar-se no espelho, pois o medo da verdade a assombrava. Desviava o rosto ou dava uma olhada rápida. Aposentada, tinha tempo livre para se ver por muito tempo. Por certo não era seu rosto o que o reflexo do espelho lhe exibia: cheio de rugas, sobretudo, as clássicas em volta dos olhos e na boca, a pele flácida do pescoço, o cabelo escuro a se manchar na cabeça, os cabelos brancos se obstinavam em aparecer na raiz... A Terceira Idade chegara para nunca mais ir embora. Assim, o neto concentrava suas esperanças de uma existência sem atropelos, de volta às gargalhadas e não de emoções massacradas pelo destino. Não a interessavam os outros, ainda que fossem pessoas de apelo evidente. Desejava o calor do bebê, desde o instante em que o havia visto. Ficava encantada com seu sorriso, quando ela lhe fazia trejeitos graciosos ou brincadeiras ou ria com ele. Orgulho de ser a primeira pessoa a receber seu sorriso. Depois, quanto tinha nove, dez meses, os primeiros passinhos. Dolores estava perto para lhe dar confiança, faze-lo sentir-se capaz. Como gostava do banho da tarde! Era um momento mágico de alegría e confusão, vivido por ambos. O neto lhe garantia uma vida sem problemas porque ela os jogara no lixo, com exceção dos dias em que não estava perto da criança. Mas esperava por ele com a certeza de que voltaria a seus braços. A mãe trabalhava fora de casa, precisava de uma avó livre de compromissos para cuidar do filho em sua ausência. Que maravilha! Feriados e fins de semana eram um pouco mais tristes: os pais desejavam a presença do filho e ela tinha que viver dos preparativos para recebe-lo na semana seguinte. Além do mais, que merda! Era obrigada a disputar a criança com a avó materna, dona de uma situação semelhante de idade, mas com marido vivo. Ás vezes, tinha vontade de mata-la, e o confessava às amigas pelo telefone - é claro que se acostumara a lhes falar por telefone. - Veja só! Vou passar uns três dias sem te-lo só para mim. Essa mulher é terrível: vive uma vida mansa e não nos deixa em paz. Dolores jorrava palavras a respeito de seu anjinho, a ponto de não escutar o que as amigas antigas diziam. As novas, não, porque não as tinha. - Sem meu neto, prefiro morrer. O aparecimento dele em minha vida me levou ao caminho da felicidade quase perdida. Você sabe, avó é mãe com açucar. Uma mulher não abdica de seus prazeres, a não ser quando a velhice bate a sua porta, aos setenta anos ou mais. Aí, tem que optar, como o poeta Robert Frost, por uma ou outra estrada: a vida sem sal, sem expectativas ou a dedicação a alguém que nos faça menos dolorosas as mudanças. Um trabalho diferente não é fácil para uma senhora idosa, o interesse pela caridade, pelos pobres, nem sempre é uma vocação, uma habilidade especial: pintar, bordar, tecer... não é para qualquer uma, por mais que sejam calmas até demais para mulheres como Dolores, por exemplo. Pior que tudo, as mulheres mais velhas tem que refrear os desejos da carne, expressão dos católicos antigos, aceitar as limitações sociais, ocupar-se com outros pensamentos. Nenhum homem, em nosso mundo ocidental, se interessa sexualmente por mulheres de setenta anos ou mais: preferem preservar a masculinidade e a vaidade com as mais jovens. Portanto, tem que levar a vida sem irritação, sem queixas nem exigências, para não afastar as outras pessoas. E é nessa hora que surgem os netos, presente de Deus. Vem na hora certa, enchendo os avós de novas criancices, os aposentados de afazeres prazerosos. Orgulhosos, vão pelas ruas empurrando carrinhos de bebê, substituem as mamães. Sobretudo, durante o dia, porque de noite elas voltam a pegar os filhos. - Quero seguir cada progresso de meu neto, suas tentativas de sentar-se, de andar, de falar, dividindo com os pais, às vezes, mimando-os em demasia, por que não? – pensava Dolores com entusiasmo. Seu ínico medo, o momento em que os pais não confiassem mais em suas forças para as tarefas. Sim, porque a velhice não para. Um movimento brusco da cabeça ou dos joelhos e tudo se complica. Se chega a hora das quedas e enfermidades sérias, muito pior. Ela conhecia mulheres que não se mexiam de casa, nem para visitar a família. Rezava dia e noite para que seu santo favorito lhe concedesse a graça do acesso ao neto pelos anos que lhe faltava viver. A manhã de aquele dia funesto chegou com sol forte de verão, que não invadiu seu leito vazio de mulher sem nenhuma companhia, nem a convidou a ir à praia. Abriu os olhos lenta e progressivamente. Olhou o teto do quarto por alguns instantes. Não compreendia porque não desejava começar a vida cotidiana. Alcuma coisa não estava em seu lugar. Seria o calor? A lâmpada que deixara acesa toda a noite? A janela de madeira fechada que sufocava o ar? A brisa fresca que se esquecera da cidade de calor incessante? As nuvens ameaçadoras de chuva e trovoada desde as primeiras horas da manhgã? O marido que não passara a noite a seu lado? A filha que não queria viver numa cidade tão difícl? O avanço da criminalidade por toda parte? O amigo doente que não se curava? Tentou ouvir os ruídos comuns da casa: os passinhos da empregada, o ron-ron-ron da geladeira velha, o trinar dos passarinhos de sempre em sua janela, a voz disfarçada dos vizinhos... Ficou sem se mexer. E. para seu desespero, compreendeu tudo: era aausência do neto que jamais tinha tido. Então, chorou.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Folias Modernas

Mudei eu?


Folias modernas

Vésperas de Carnaval. Passo pelas ruas de meu bairro na manhã do sábado dos primeiros blocos, uma semana antes da data estabelecida para o Carnaval. Vejo transeuntes “fantasiados”: dois chifrinhos de diabo, duas orelhinhas de Mickey Mouse na cabeça, uma fita dourada passada pela testa, lata indefectível de algum líquido na mão, um exército de vendedores de água mineral – produto na última moda de uns anos para cá - ou talvez de cerveja camuflada depois dos choques de ordem do prefeito, não sei. Só sei que homens e mulheres suam muito até chegar aos pontos de distribuição, paga e bem paga, é claro, e ganhar seu pão incrementado da época, enquanto os menos necessitados se divertem.
O tranzetê da praia para casa ou de casa para a praia não pára. Gente de todas as tonalidades e línguas se mesclam umas com as outras, quase se trombam.
- What is this? – pergunta o americano recém-chegado, espantado com a cor e a consistência do assaí do meu bar predileto, sorvido com delícia pela nova juventude ecológica. .
- It is very good, afirma o tradutor, em pronúncia péssima por sinal.
Meio atordoada, dirijo-me ao balconista simpático e bem vestido. Aliás, até o boteco passou a usar trajes de gala, por determinação do tal choque de ordem do prefeito – Leblon só pode ter comércio chique, viu, gente?
Peço um belo suco e converso com o moço, conhecido de outros carnavais.
- Você já comprou seus chifrinhos ou suas orelhinhas ou sua gravatinha dourada para se fantasiar daqui a pouco? Eu encomendei os meus, mas ainda não os trouxeram. Você sabe, coroa tem que caprichar, né mesmo? É mesmo. Fantasia da Zona Sul do Rio de Janeiro é isso aí.
Penso no tipo de folia de hoje, tão distinta das muitas que vivi, mesmo depois de casada e mãe de família. Em que baú ficaram as fantasias coloridas completas ou improvisadas com bastante arte? Onde se esconderam os homens-homens vestidos de mulher, com trajes emprestados pelas irmãs ou pela mãe, tamanco de português nos pés? Em que parte da cidade vou encontrar os tambores, pandeiros e tamborins mal batidos dos foliões sem nenhum jeito para o samba, mas com muito orgulho e devoção? Em que lugar recôndito ficou minha gente que se reunia no Clube do Samba, de João Nogueira, lá na Avenida Rio Branco, ao primeiro apito para cair na farra? E as serpentinas e os confetes inevitavelmente sujos de água da chuva, formando um lixo que dava gosto de ver? E a lança-perfume rodo metálico ou de vidro mesmo que eu adorava usar em criança como perfume francês de belas damas e cheirar bem de leve, pois ir fundo meus pais não deixavam porque a gente desmaiava e ia para o hospital? E as marchinhas debochadas com delicadeza, decoradas com meses de antecedência, para não darmos bobeira na hora? E o samba dos blocos mais selecionados porque mais família, igualmente aprendidos com a antecedência de hinos de procissão da igreja católica: Queremos Deus, homens ingratos... Ave, Ave Ave-Maria... e tantos outros que entoávamos pelas ruas de Niterói nos dias santos, e mesmo depois, no Rio, sem nenhum pudor de mostrar nosso credo a quantos nos viam passar? Sem perceber o preconceito, entoávamos convictos, sorridentes: Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é..., fazíamos crítica aos governos: Maria Candelária é alta funcionária/... começa ao meio-dia, coitada da Maria, trabalha, trabalha, trabalha de fazer dóóóóó... Ou, até mesmo, deixávamos fluir o romantismo meloso: Todos eles estão errados, a lua é dos namorados, à época da posse da lua pelo homem.
Mudou o Carnaval ou mudei eu? O negócio é que, como tudo mais do mundo moderno, as transformações são rápidas e profundas. Antes, era o Nosso Carnaval bem brasileiro; hoje é o de toda a gente que não resiste a uma propaganda bem feita. De dentro do país, de outros estados, ou de fora. Sobretudo, depois da Era Lula que colocou o Brasil nas alturas. Com alguma razão, reconheço.
Ainda não cheguei ao ponto de cantar como em cântico fúnebre: Agora é cinza/ tudo acabado e nada mais. Sou otimista, sempre.

Maria Lindgren

domingo, 15 de janeiro de 2012

El Nieto - premiado no concurso Caños Dorados em Córdoba, Espanha em 2011, para minha alegria.

El nieto
- ¡Qué bien estás, mujer! ¿Qué haces para tener una figura de dar envidia? Los años no pasan para ti.
Todos le hacían elogios, salvo algunos vendedores populares, que la llamaban tía – una manía de Rio de Janeiro (“carioca”) - con aires de querer decir vieja tía. Aún no le apodaban abuelita, pero algunos años más… Seguro que Dolores no aparentaba los sesenta y siete años. No era delgada ni gorda, tenía una esbeltez cultivada por la gimnasia desde los quince años, por lo menos.
Mujer dicha moderna, intentaba seguir las reglas de la moda, sin miedo de parecer ridícula. A veces, usaba la falda arriba de la rodilla, portaba la blusa apretada marcándole los senos y la cintura, una moda para las chicas jóvenes en el 2010, que las mayores no debían adoptar. Salvo cuando conservan un cuerpo perfecto, lo que es casi imposible para la mayoría de las brasileñas, adeptas de los frijoles con arroz.
Su pesadilla, la edad. Pensaba en las cosas excitantes que el cuerpo y las costumbres le prohibían, y se angustiaba. Hasta los cuarenta y pico, era posible tener fantasías de fiestas monumentales, trajes nuevos en todo momento, miles de amigos, novios y, en seguida, un marido siempre compañero de juerga.
Hijos criados, marido muerto, la amenaza de la soledad le manchaba la vida, enflaqueciéndole las ganas de experimentar todas las sensaciones. Pasito a paso, la depresión envolvía su alma, su cuerpo empezaba la marcha inexorable al encogimiento, produciéndole una curvatura de espaldas, un caminar más despacio.
Siempre había evitado mirarse al espejo, pues el temor de la verdad la asombraba. Desviaba el rostro o se daba un vistazo.
Jubilada, después de un vida entera de mucho trabajo, tenía tiempo libre para largas miradas. Seguro que no era su propio rostro lo que le exhibía el reflejo: lleno de arrugas, sobre todo, las clásicas alrededor de los ojos y de la boca; la piel flácida en el cuello; el pelo oscuro rareándose en la cabeza, las canas obstinándose en salir en la raíz… La “tercera edad”, como lo hablan los brasileños - llegara para jamás irse.
Así que el nieto ha concentrado sus esperanzas de una existencia sin atropellos, de retorno a las carcajadas y no, de emociones masacradas por el destino. No le interesaban los demás, aunque fueran personas de apelo evidente. Deseaba el calor del bebe, desde el instante en que lo había visto.
Le encantaba verlo sonreír, mientras ella le hacía muecas graciosas, le hacía bromas o se reía con él. Orgullo de ser la primera persona a recibir su sonrisa. Después, a los nueve, diez meses, los primeros pasitos: Dolores estaba allí para darle confianza, hacerlo sentirse capaz. ¡Como le gustaba el baño de la tarde! Un momento mágico de alegría y confusión, vivido por los dos.
El nieto le garantizaba una vida sin problemas porque ella los echara a la basura, excepto los días en que no estaba cerca del niño. Pero lo esperaba con la certeza de que volvería a sus brazos. La madre trabajaba fuera de casa, necesitaba una abuela libre de compromisos, para cuidar de su hijo en su ausencia. ¡Qué maravilla!
Los feriados y fines de semana eran un poco más tristes: los padres deseaban la presencia del niño y ella tenía que vivir de los preparativos para recibirlo a la semana siguiente.
Además, ¡qué lástima! era obligada a disputarlo con la abuela materna, señora en situación semejante de edad, pero con el marido vivo. A veces, sentía ganas de matarla, se lo confesaba a las amigas por teléfono – porque se acostumbrara a hablarles al teléfono, por supuesto y no aceptaba la moda del correo electrónico.
-¡Figúrate! Pasarán como tres días sin tenerlo para mí. Esa mujer es terrible: vive una vida regalada y no nos deja en paz.
Dolores vertía un chorro de palabras a respeto de su angelito, a punto de no oír lo que decían las antiguas amigas. Las nuevas no, porque no las tenía.
-Sin mi nieto, prefiero morir. Su aparición en mi vida me ha conducido por la ruta de la felicidad casi perdida. Abuela es madre con azúcar, tú sabes.
Una mujer no abdica de los placeres, sino cuando la vejez la llama a la puerta, a los setenta años o más. Entonces, hay que optar, como el poeta Robert Frost, por una de dos carreteras: la vida sin sal, sin expectativas, o la dedicación a alguien que nos torne las transformaciones menos dolorosas. Una labor diferente no es fácil para una vieja, el interés por la caridad, por los pobres no siempre es una vocación; una habilidad especial, pintar, bordar, tejer… no es para todas, por demasiado calmas para mujeres como Dolores, por ejemplo.
Peor, las señoras más viejas tienen que refrenar los deseos de la carne, expresión de los católicos antiguos. Los hombres, en general, ni siquiera las miraban con ojos de algún interés. Pasaban por ella en la calle como si fuera por un otro hombre. En nuestro mundo occidental, no se sabe de ejemplares del sexo masculino que se interesan sexualmente por mujeres de sesenta años o más: prefieren preservar la masculinidad y la vanidad con chicas más jóvenes. Y ahora hay tienen el recurso del Viagra que, según las charlas entre ellos, tiene un buen effecto.
Si no fuesen homossexuales, por supuesto.
¡Y cómo los había en su ciudad! Todos los años, sobre todo en verano, las playas se llenaban de guapos muchachos con hombres más viejos, ¡una vergüenza!
Dolores tenía que aceptar las limitaciones sociales, ocuparse con otros pensamientos. Ningún hombre, en nuestro mundo occidental, se interesa sexualmente por mujeres de sesenta años o más: prefieren preservar la masculinidad y la vanidad con chicas más jóvenes.
Es así que tienen que llevar la vida sin rizar el rizo, sin quejas ni exigencias, para no alejar a los demás. Y a esta hora los nietos surgen como regalo de Dios. Vienen en la época cierta, llenando los abuelos de nueva niñez, a los jubilados de quehaceres placenteros. Orgullosos, van por las calles empujando los cochecitos de bebe, sustituyendo a las mamás, sobre todo durante el día, porque a la noche, ellas vuelven a buscar a los hijos.
Quiero seguir cada progreso del nieto, las tentativas de sentarse, de caminar, de hablar, dividiéndolo con los padres, a veces, mimándolo en demasía, ¡por qué no!”, pensaba Dolores con entusiasmo.
Su único miedo, el momento en que los padres no confiasen más en sus fuerzas para encargarse de los trabajos. Sí, porque la vejez no se detiene. Un movimiento brusco de la cabeza o de las rodillas y todo se complica. Si llega la hora de caídas o enfermedades serias, mucho peor. Ella conocía mujeres que no se movían de la casa, ni siquiera para visitar a la familia. Rezaba día y noche para que su santo preferido le concediese la gracia del acceso al nieto para los años que le faltaban vivir.
La mañana de aquel día funesto llegó con sol fuerte de verano, que no le invadió su lecho vacio de mujer sin ninguna compañía, ni la invitó a irse a la playa. Abrió los ojos lenta y progresivamente.
Miró al techo de su habitación por instantes. No comprendía porqué razón no deseaba empezar la vida cotidiana. Alguna cosa no estaba en su lugar. ¿Sería el calor? ¿La lámpara que dejara encendida toda la noche? ¿La ventana de madera cerrada sofocándole el aire? ¿La brisa fresca que se olvidara de su ciudad de calor sin cesar? ¿Las nubes amenazadoras de lluvia y tronadas desde las primeras horas de la mañana? ¿El marido que no pasara la noche a su lado? ¿La hija que no quería vivir en una ciudad grande tan difícil? ¿El avance de la criminalidad por todas partes? ¿El amigo enfermo que no se curaba?
Intentó oír los ruidos comunes de la casa: los pasitos de la empleada, el ron-ron-ron de la heladera vieja, el trino de los dos pajaritos de siempre en su ventana, la voz disfrazada de los vecinos…
Se quedó sin moverse. Y, para su desesperación, comprendió todo: era la ausencia del nieto que jamás había tenido. Entonces, lloró.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Divino presente

às vésperas do Natal, escrevo:

Divino presente
Naquele dia enfumaçado e quente de uma primavera que não pintava verão de jeito nenhum, só me restava torcer por dias mais bonitos de céu imaculado e bons ventos. Não as rajadas que chegavam à tarde, traiçoeiras, fortíssimas, de quebrar vetustas árvores de minha cidade e amedrontar minha plantinha, tão delicada que se fecha à toa, Não, os pingões de chuva a bater ploc-ploc, na grade cilíndrica de metal de minha varandinha. Não os raios que realmente têm partido pessoas ao meio, nos arredores da cidade, como aviso prévio de que um dia nos partirão a nós, urbanos pouco interessados nas grande causas do Planeta.
De fato, sonhei. Recostada qual Maya Desnuda em meu sofá vermelhão-sangue, vieram à minha cabeça os quadros de Natais passados, bem passados. Estávamos na semana que antecede a grande data. Grande? Para mim, que sou católica sem questionar o que me incomoda na religião. E para alguns outros que vão à missa perto de nossas casas para evitar a preguiça.
Pensei no baú vermelho, decorado de preto, pintado por mim mesma, repleto de brinquedos dos meus filhos pequenos, doados aos pobres, na certeza de serem substituídos por outros, de tias, pais, mães e avós.
“ Que fiz eu do baú, Santo Deus? Sumiu por descaso, vontade de me ver livre da lembrança da infância de meus filhotes, que se acabara de chofre, me deixara com xarope de fel na língua para sempre.”
Sem cronologia, foi a vez dos presentes de ouro de meu pai ainda rico, obrigação imposta a sí mesmo, à época mais bonita e alegre da igreja católica. Hoje, contento-me com as imitações anti-ladrão. Mas, no fundo, protesto.
Mil lembranças e o cansaço me pesaram as pálpebras, em sono fora de hora. Deus sabe o que faz: se tivesse insistido no devaneio, viriam os cheiro da comida de minha mãe, a voracidade de meu primo imigrante ao comer, o gosto do vinho do Algarve, contrário à terra nortista de meu pai, presente mal bolado por um amigo...
Acordei duas horas depois, com meu marido recém-chegado do trabalho. Às mãos, discreto, um embrulho pequeno e caprichado. Abro o pacote com cuidado, sinto o odor de meu perfume predileto, sorrio ao homem gentil e, pronto, estou feliz no Natal, de novo.

Maria Lindgren

domingo, 6 de novembro de 2011

Foto Pedro pequeno




Espero ter acertado a foto agora. Eis meu filho Pedro Angelo em sua melhor fase. Feliz, vivia cercado de amigos do mesmo prédio de Niterói. Sorria tanto quanto a cidade apelidada de Sorriso enquanto lá vivemos.




Hoje, não conserva o rostosorridente que este é próprio da infância. Sobretudo, o reponder a estímulo: não tem significado outro que o contato com gente agradável,mesmo desconhecida. Dá risadas escandalosas como as minhas. Tem verve.




Mais de quarenta anos voaram. Sofremos e nos alegramos juntos. A vida vai me ensinando a ter o possível e a perseguir o quase inatingível.




Dia 5 de outubro tem que continuar a ter celebração: de adulto ou de velho,. Se Deus quiser!






Lágrima contida, torço por Pedro Angelo e, claro, por sua irmã, objetos preciosos de minha caixinha de música.




Maria Lindgren








Adicionar foto Pedro

sábado, 5 de novembro de 2011

Finados de ontem e de hoje

Finados de antanho e de hoje ( dia de baixo astral pra mim que gosto de ser alegre)

Finados de minha infância era mamãe toda de preto, com véu de renda para colocar n
a cabeça, fosse na igreja, fosse no cemitério.
Papai exigia roupa sóbria, até para as crianças. Nada de vestidinho muito fresco, com ou sem calor. Em casa não se tocava música nem alta nem baixa, nem popular, nem mesmo clássica. A novela do rádio ficava para o dia seguinte.
Ninguém ousava perguntar por que: Dia dos Mortos e pronto. Não se discutia. O almoço frugal contrastava com o do cotidiano de casa de português. Convinha ao dia tristonho. Nem uma taça de vinho, ainda que pequena fosse. Água pura e olhe lá.
- Dia dos Mortos é uma grande tristeza -, dizia papai. Só eu já perdi meus pais e um irmão mais novo que eu. Não posso nem quero me alegrar. Que Deus os guarde!
Minha mãe, bem menos religiosa, também se calava. Nem cantarolava suas melodias prediletas. Olhos meio úmidos, ia aos afazeres de antes da missa em silêncio consternado.
- Meninas, andem rápido porque o cemitério fica bem longe, lá do outro lado da cidade. E tem gente assim -. E fazia o gesto de abundância com os dedos.
Tudo pronto às oito horas, no máximo, rumo à igreja pedir a Deus que perdoasse os pecados dos mortos e dos vivos, coisa difícil de entender. Para mim, morto não tinha mais pecado. Mas cadê coragem de perguntar sobre matéria religiosa a meu pai, bispo-leigo de Niterói, como o chamavam os da igreja do bairro?
No cemitério, constrição absoluta, interrompida apenas para arrumar as flores brancas na lápide preta. Choro baixo; nada de escândalos. Bate-papo engolido, algazarra nem se fala.
Depois de uns dez anos de repetição do ritual, o povo cristão de minha cidade começou a invasão dos cemitérios no dia sagrado. Flores de cera substituiram as naturais, porque de maior duração. Escassas flores de verdade, com cara de meio-velhas, espalhavam-se pelo chão. Quem não tinha levado nada, as surrupiava dos outros túmulos, sem nenhum prurido.
Exceto, claro, os que guardavam a sete chaves os mausoléus dos ricaços de Niterói, banqueiros e empresários que não precisavam ir à reza no cemitério: pagavam um zelador, uns dois moleques e pronto. No máximo, iam à missa na paróquia perto de casa, deixavam os nomes de todos os mortos em cestas de vime ou caixas de papelão, logo entupidas de recados.
Nossa família mudava muito pouco de hábitos. Talvez comesse melhor e se vestisse de luto aliviado preto e branco, em tempos posteriores, não sei mais. Somente depois de nossa adolescência envergonhada de tanta comemoração de gente morta que nem conhecíamos, diminuiram-se as exigências até praticamente à extinção. Até mesmo para minha mãe. As moçoilas ouviam música sem escândalo, assistiam às novelas do rádio em tom baixo, vestiam-se de roupa leve por causa do quase-verão. Embora calça comprida tivesse demorado a ser aceita por meu pai, por ser vestuário “típico de homem”.
Namoro, casamento, formatura de irmão, maior independência da família... substituiram o fanatismo falso de quase todos. Ufa!
A sociedade brasileira começou a se declarar católica de boca somente, e o Dia dos Mortos foi mudando, mudando...tornando-se mais um feriado no calendário repleto de folgas, de nosso país apegado a uma boa-vida.
Sei que ainda há os que respeitam o dia, sobretudo na missa solene. São poucos. Aqui no Rio, parece que as pessoas que não têm muito programa vão ao cemitério, lugar de movimento, de agitação.mais do que de prece. Betem papo, escondem-se do sol, sofrem pouco, muito pouco mesmo, para nenhuma falta dos mortos, tenho certeza.
Eu mesma, confesso, deixei de ir ao cemitério com regularidade. Sinto-me mal ao ver o túmulos de minha avó, de meus pais, de meus amigos e imagino que viver na memória para sempre é o que realmenteinteressa. Faço da missa o local de meus sentimentos mais sinceros e fico melhor assim.
Já no meu bairro do Rio de Janeiro, agigantado pela invasão da propaganda da Globo nas novelas, os bares e restaurantres pululam de gente às gargalhadas, como se dissessem Morreu, morreu, ante ele do que eu. Houve até mesmo desfile de pessoas fantasiadas de mortos ensanguentados, com nas festas do México. Não me conformo.
Talvez chegue a hora em que lembrar os mortos será sentimento privado, não obrigatório, sem feriado instituído por governos para dizer que o Brasil é um país católico. Esquecidos do montão de evangélicos, de judeus, de pretos e brancos da macumba, talvez de muçulmanos que ousam proclamar a religião de Maomé.
E os que realmente amaram seus finados, irão homenageá-los cada qual a seu modo. Derramarão umas lágrimas de saudade “ palavra doce que nasce do coração/ A saudade é um sentimento que não tem definição?
Maria Lindgren

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sol de outono

Meus leitores queridos
Fiquei com saudades do meu blog. Volto a escrever nele.
Vou de poesia e prosa. Poesia de oura pessoa, pois não sou poetisa e prosa minha toda prosa e fagueira.


" O que falo foi vivido
e o que vivi, não retraio..."
(Carlos Nejar, Canções n. 63)


Sol de outono

Amanheço e anoiteço com a mesma dor, todos os dias. Indefinida, parece que veio para ficar. É uma dor que qualificaria como insuportável, porque não explicada. No telefone, o doutor me recomenda um Paracetamol de quatro em quatro horas e observação. Três dias de sentir dor e ver se passa. Um horror! E se leva uma semana? E um mês?
Ah! Meu Deus! Como é difícil observar a própria dor. Primeiro, sigo os caminhos ditados pela configuração de meu corpo: começo pelo ponto mais alto: a cabeça. A dor nas têmporas, por acaso minha companheira de muitos e muito séculos – tempo de minha vida na percepção de hoje – não aparece. O órgão responsável pelo resto todo está intacto e indolor, qual bola de futebol na prateleira, antes dos chutes. Nem os ossinhos do rosto, nem o maxilar de idosa com mania de mastigar me incomodam. Nem mesmo os lábios desprotegidos pela falta de batom ou manteiga de cacau, seu lá. Ouvidos ouvem, olhos veem, nariz cheira, queixo se assenta na mão sem desvio. O pescoço, revelador de tensões, sai ileso da inspeção, tanto na parte das rugas e papeiras, como na parte de trás. Tronco: tem que ser o tronco o responsável-mor do que sinto. Percorro os ombros pesados de pouca carga física, mas de muito problema, vou direto ao coração. Nada diverso do dia a dia do batecum compassado. Nem o sopro outrora acusado pelos auscultadores sensíveis. Parto para as costelas: frágeis, mas inteiras, até bonitinhas em seu paralelismo encurvado, que é como as vejo nas radiografias. Detenho-me nos órgãos de comer e descomer: ultimamente, funcionam à perfeição, talvez pela marmita de remédios que engulo diariamente ou pelos pozinhos cor de poeira de deserto que a nutricionista me faz engulir, em lugar do feijão com arroz bendito. O local do xixi e das sensações sexuais....: tudo comme il faut.
Agora, faltam os membros. Os inferiores me atrapalham, sobretudo quando chego às extremidades, aos pés de pele fina e aos dedinhos, que me impedem de usar sapato fechado de salto alto e bico fino e me obrigam a ridículos saltinhos da última moda de jeune-filles en fleur.
Retorno ao andar de cima, diante do espelho e constato os ombros levemente inclinados para a direita, por conta de escoliose caduca. E uma vez ao espelho, sigo a olhar os braços e as mãos, sem grandes discrepâncias ou desilusões, um tanto gastos pelo tempo e ponto. Pulo para os joelhos e paro por instantes. Talvez lá encontre motivos para a dor, como de hábito. Hoje não chiam nem fazem troc-troc os miseráveis, que atazanamn as senhoras de setenta em diante. Estão santos e sanos, nenéns adormecidos. As pernas, ou melhor, as coxas, encontro-as musculosas, de muito exercício físico, mesmo assim, forradas da celulite a que me conformei. Nada de agudo, de diferente. Na pele, um ou outro sinal pretinho encabulado, sem importância, desses que jamais viram câncer de pele, umas poucas manchas brancas, provocadas pelas longas exposições ao sol que, uma vez instaladas, grudam para nunca mais sair, nem com os inúmeros cremes descobertos pelos cosmetólogos em várias gerações.
Viro de costas rápido até porque a visão não é inteira. Meio de lado, noto barriga e nádegas protuberantes: desafiam a elegância-tábua dos dias de hoje. Não gemem, entretanto. Costas ainda queimadas do sol de verão se recusam a me denunciar maus tratos. Vou desistir. Deixo a inspeção para a próxima ida ao médico generalista, uma das diversões das senhoras aposentadas de minha vizinhança, motivo para se colocar roupa mais caprichada e sair ao mundo exterior.
Decido ir à piscina azul de cada dia. Um friozinho de outono me faz crescer uns pontinhos de arrepio na pele dos braços, apesar do roupão preto e atoalhado. Continuo a passo de soldado, chego ao pleno ar livre, fonte de inspiração em todos os sentidos da palavra. Nem percebo a meia-luz do dia. Deito-me na espreguiçadeira, protegida por sundown 30 não sei para quê, ajeito a aba do boné de forma a não manchar a pele do rosto, imaculado pelo último tratamento facial.
Sinto-me pronta. Olho detidamente para a nesga de céu, doado pelos engenheiros de meu pédio. Flagro um solzinho friorento em luta vã para furar a gigantesca nuvem cinza chumbo advinda da Gávea, sempre da Gávea, repleta ainda de vegetação. Não consigo me aquecer. Pingos de chuva iniciam seu itinerário de molhar minha toalha, meu corpo, meus cabelos, o chão. E enrugar a piscina.
Tenho que voltar para dentro de minha dor.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Una pesadilla bien pesada

Una pesadilla bien pesada
¡Cuantas veces he sentido un malestar físico o moral y en la cama, todo se calma, aunque no tenga apelado para los tranquilizantes! ¡Cuantas otras soy sorprendida con pensamientos y sueños terribles sin que les encuentre explicación! Entonces ¿por qué las pesadillas? Francamente, no lo sé. No hay, una relación estrecha entre las pesadillas y las aflicciones de la vida. Por lo menos, en mí caso, pues tengo poca cultura psicoanalítica. Mi lectura de Freud y de otros tantos gran señores de la medicina psiquiátrica no es profonda a punto de saber de los preceptos de la interpretación de los sueños. Y cuando llevo el relato de uno de ellos a mi sessión de psicoterapia, a veces ocurre que dicho sueño no me dice nada, mientras la doctora lo interpreta con miles de razones. Para ella, seguro que es claro el significado que yo ni siquiera imagino.
La noche de ayer, por ejemplo, sin justificativa, fue llenada por una sola pesadilla, una história fantástica que me ha poblado incluso todo el día seguinte. No sería un cuento de horror porque yo no sentía nada: estaba indiferente, tomada de una tranquilidad estraña – lo que casi siempre me pasa en las pesadillas -, para mi sorpresa.
Confieso ser una histerica que grita a grito pelado por una lagartija casera, no importa que me digan cuán preciosa es para comer los mosquitos, esos pequeños insectos que me dejan cabreada. Y delante lo extraordinario de los sueños más difíciles, nada: ninguna emoción.
Me acosté a la medianoche, como siempre, sin asistir a las peliculas más violentas, de hacer los pelos de punta, mi conducta preferida para no no tener insomnia. No he visto ningún vampiro sexy que a los adolescentes tanto les gusta, no he asistido al masacre de los animales, scena común en la television de programas ecológicos, ni la sangre brotaba de las heridas de animales y hombres. Deberia tener un sueño de ángel, pués.
A pesar de mis precauciones, me vi inundada por los chuzos de punta de lluvía causada por uno de esos fenómenos de nombres absurdamente delicados, El Niño, La Niña... de lo que intentaban escapar un montón de elefantes oscuros cubiertos de lama.
En la casa, estaban mi hermano, un jóven de diecieocho, veintanos – mi hermano verdadero tiene más de sesenta -, una señora de edad avanzada con una panza increíble, que los muchos años garantizaban no ser de embarazo y yo, con una barriga casi igual, con la diferencia de que estaba embarazada de verdad.
Los elefantes corrían como locos, pero empezaron a intentar entrar por las puertas, ventanas y paredes, sin que nosotros sentísemos miedo. Al contrario, mi hermano los acariciaba y repetía:
- ¡Pobres animales! Tienen que pagar por las acciones increíbles de los hombres en cuentra la naturaleza. Tengo que ayudarlos.
-

Lo más extraño es que los elefantes de mi sueño no barrían, no gemían, no hacián nada de mal, como se supone que hagan en la hora en que sienten miedo. Investían en cuentra las paredes, como se fuesen de papel, por su fuerza. Y nosotros lo aceptábamos a esto también sin miedo. Sobre todo, mi hermano que, de un salto, se montó en uno de ellos, para salir de la casa. Nosotras las mujeres no reaccionamos tampoco nos espantamos: era natural.
Por la mañana, la primera pregunta que hice a mi empleada fué:
¿Sabes si nuestro popular juego de los animales( jogo do bicho) tiene la categoria elefante?
Ella no supe responderme.
Me senté para el café y me de vuelta con la cabeza hasta la mesita redonda de la sala que la tengo llena de elefantitos de mi colección. Descubri todo: mi colección era modesta.
- Tengo que abrir las puertas para recibir más elefantes!

Maria Lindgren

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Símbolo perfeito

Não aguento mais tantos votos no fim do ano de 2010. Preferi, pois, fazer uma crônica que, de fato se passou comigo, e lhes enviar minha mensagem de Ano Novo, leitores amigos
Espero que gostem do Símbolo perfeito.


Símbolo perfeito

Penúltimo dia de 2010. Apressada, vou ao banco que mais odeio, raspar os ralos reais que me sobram, graças à contenção da volúpia de compras. “Aquele” banco repleto de velhotes e velhotas aposentados, e de alguns funcionários públicos mal ajambrados, à espera de suas minguadas granas.
Os aposentados compassivos aceitam – e até curtem – a demora. Descansam da rua doida de gente, trânsito e calor, às vezes, batem papo com um vizinho mais simpático, raridade no Rio de Janeiro.
- Graças a Deus o calor melhorou, né mesmo? Tou até sentindo frio.
- Este banco é um pouco lento. A gente leva horas aqui. Até que hoje está melhorzinho: poucas pessoas ainda tem o que retirar.
- Aquele caixa careca é o mais simpático. O resto é tudo mal-humorado.
O temperamento difícil de caixa de banco da nossa cidade, já se sabe, deve-se ao salário baixo. Aqui, apesar da greve longa, parece que os patrões nem se tocaram.
Mal sento e ouço gritarem meu número de senha. Como sempre, tremo. Vão errar tudo. Não deu outra. Levo uma meia-hora, no mínimo, explicando meus problemas particulares, o que me faz remoer mágoas deixadas em banho-Maria nas festas de fim de ano. E bato queixo de frio no ar condicionado a toda. Mal humorada, penso que minha indumentária nunca acerta com a meteorologia, nem com o ar artificial de shopings, cinemas e bancos.
Passo de novo na porta giratória detectora de metal, que se havia zangado com meras chaves da minha bolsa., o que provocara comentários desairosos dos guardas, indicativos de minha idade:
- Calma, minha senhora!!!! Pra quê a raiva? Cuidado!!!!Olha o coração!!!!
Xingo minha maquiagem que não camufla as rugas, ponho os belos óculos dados a mim mesma de presente em rasgo de mão-aberta.
Vou direto ao salão me embelezar os cabelos, com um dedo ou quase de brancos a reiterar o horror e a canseira da velhice nos tempos modernos de nada de “ respeite ao menos meus cabelos brancos”, como na canção antiga. O salão de segunda em shoping de primeira regurgita: gente por todo lado, sobretudo nas manicures. Querem entrar o ano novo sem vislumbre de desmazelo.
Subo a escada em caracol sem leveza, estatelo-me numa poltrona feiosa, olho-me ao espelhão sob a luz fria azulada e detestada: estou feia demais. Que pescoço mais franzido!!!!
A cabeleireira doce e meiga, de um salto, apanha o último número da revista de fotos, para me agradar. Coitada, não sabe que acabo de ler O Túnel, de Ernesto Sábato, e odeio revistas de gente que se veste de cafonália em ilusão de elegância francesa dos grandes salões.
Penso em minha filha que vaticina um fututo cada vez mais inculto para um país que se pretende a 5ª economia do mercado mundial. Moda também é cultura. Livro, ninguém lê.
De qualquer modo, ativo o desfile de magras, gordotas e até gordas, todas com dinheiro de empresas e indústria nacionais e multinacionais. Nenhuma professora, nenhum médico de classe média, nem mesmo um jornalista mais desconhecido. Entre as raras celebridades internacionais, destaco Penélope Cruz, grávida de oito meses, feliz da vida por ter casado com o gatão Javier Barden.
Entre Giseles, Danielas, Giovanas e um ou outro homem da famoso dou um ufa de alivío e fecho a revista, bem na hora de fazer as unhas. Escolho o esmalte mais tchan, o de cor vinho, para combinar com o vinho da ceia de fim de ano. Até a manicure se espanta:
- Humm, humm!!!!!
Cabeça lavada por mãos mágicas, reconcilio-me com a vida. Respiro bem fundo. Até que não estou tão mal assim.
Saio do salão sorriso aberto para todas as presentes, desejo-lhes bem alto um Feliz Ano Novo, e só então me lembro que ninguém me ouve por causa do barulhão dos secadores de cabelo.
Reflito dois minutos sobre a estupidez humana da globalização capitalista, ao observar minhas companheiras de sexo em frenéticas compras ainda, caras como só meu Rio sabe fazer, segundo me contam os que viajam ao exterior e voltaram carregadíssimos de tudo.
Ando devagar e vejo ao longe um boneco dentro de um carrinho bem grande, sobre um dos bancos de descanso do corredor. Aproximo-me de leve, e a visão me ilumina: uma bebêzinha de dois meses, de carne e osso, de brinquinho de pérola, mínima. Rio para a menininha e ela me sorri, acreditem, apesar da cara antipática da mãe.
O Ano Novo começa aí.

Maria Lindgren

domingo, 28 de novembro de 2010

Socorro - O Rio não continua tão lindo assim

Socorro!

De repente, saio à rua para um de meus tratamentos da coluna e vejo um bairro meio vazio. A princípio, enclausurada em minha própria obsessão da doença, estranho. Passo a esperar um taxi, como sempre e, para minha surpresa, está fácil demais de se entrar em um. “Deve ser a proximidade do final do mês, afinal, estamos no dia 25de novembro”, penso, alienada.
Entro e o motorista, de rádio ligado bem alto, me traz as piores notícias do Rio de Janeiro, cidade dita e repetida Maravilhosa, ninguém entende por que. Trinta e três mortos e não sei quantos feridos na guerra retomada(?) dos bandidos contra a polícia e, agora, contra nós, que mal bebemos um copo de chope. O clima da Rádio Tupi é de arrepiar os poucos pelos que tenho no braço. Uma gritaria nas entrevistas, uma barulheira de sirenes, um constatar do não-poder-fazer-nada, um horror.
Eu que já ando meio zonza por conta de uma labirintite, só fiz piorar. Saltei do táxi quase caindo nas pedras portuguesas meio desfalcadas das calçadas, ainda com a voz do motorista a me aconselhar:
- Eu, se fosse a senhora, não saía de casa esses dias. Inda mais com tonteira.
À saída do consultório do fisioterapeuta, deparo-me com um elevador vazio, o que é raro no prédio repleto de consultórios. Certamente, fizeram como eu, que adiei uma consulta de manhã cedo na Barra da Tijuca. Só que, no meu caso, por motivo particular.
Acho que não foi surpresa para ninguém que pensa o mundo de hoje a reação dos famigerados bandidos, depois da implantação de sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora. Os miseráveis tinham que provar que podem mais que a polícia e o estão fazendo com enorme alarido.
Vi cenas na tevê de desanimar: montes de ônibus incendiados, balas misturadas da polícia e dos bandidos, famílias em correria desenfreda para suas casas (mães e filhos pequenos, em geral). Nem as vans, preferidas da classe popular carioca, também ninguém entende porque, escaparam do absurdo bélico: estão sendo igualmente incendiadas. O comércio de pouca venda fecha as portas e reza para o problemão não chegar até às vésperas do Natal. Clima de Afeganistão ou Iraque.
Na volta do tratamento, ouço um idiota dizer no rádio:
Pior que tudo é o triste papel do Brasil no exterior. Todos os jornais do mundo noticiaram a tragédia do Rio.
Revoltada, quero sair bem rápido, mas ainda tenho tempo de dizer ao taxista:
Pior por causa do mundo, nada. O mundo é uma vergonha de tanta guerra. Pior mesmo é para nós, da nossa terra, que sofremos esta barbárie há muito tempo.
Lembrei-me de minha filha, que já teve revólver e faca apontados para ela em tr|~es ocasiões. E olhe que ela continua a sair sozinha, que fazer?
Que-fazer são as palavras que não saem das bocas dos cariocas, em lugar dos festejoa natalinos que se aproximam.
Que o menino-Deus possa ser comemorado em paz, amén!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

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Enviado de meu iPhone

Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren