quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Textos quase esquecidos

Esqueci de postar meus textos de Natal - Repetição desigual e de Ano-Novo - Ano-Novo, meu Deus

Aí vão meio atrasados. Sorry! Maria Lindgren

Repetição desigual
           
De repente, estou muito só, mas muito mesmo. O velho nó no estômago começa a  apertar de modo inusitado. Como um alicate delicado, mas fiel à sua função. Decido, pela milésima vez, ir a um psiquiatra. Não é possíbel repetir sensações nauseabundas todos os anos de uma vida longa. Há que experimentar mudanças sempre, coisa que, cada vez mais, desanimo de levar adiante. Claro que, na minha idade, nada pode ser “para melhor” - penso, com meu realismo de quem leu e sentiu muito Fernando Pessoa.
Chega uma amiga sem aviso - raridade nos tempos atuais. É vizinha e nunca havia entrado no meu escritório. Convido-a a conhecer tudo e ela para diante das fotos, que exibo com o maior orgulho: meu filho com três anos, seu cabelo e sorriso inimitáveis, o mesmo filho muito mais velho, agora com a filha, minha sogra e meu marido - essa mania de ser a fotógrafa sempre me exclui em dia de festança, Darcy Ribeiro de braços abertos à vida e os dizeres que o tocaram sempre para frente “ Depende de nós”, eterno exemplo para os desanimados e, finalmente, mamãe e papai, lindos nos seus quarenta anos, a se olharem com amor.
Que ideia esta de cavucar fotos íntimas perto do Natal! E para uma sehora que nunca conviveu comigo antes deste apart de hoje. Como pode ela entender a dor da única foto que eu não queria comentar e acabei por faze-lo: a da amiga de braço dado comigo, que morreu cedo de câncer.
Faço uma baita força para não dar vexame e tiro a vizinha para a sala, quase a empurrá-la, ela que é a única a procurar me ver e agradar. Ingrata, penso que devia ir mais à cobertura onde ela mora, mas nunca obedeço direito aos ditames das obrigações, com todo o meu catolicismo.
Volto à solidão e a dar uma olhada no casal “culpado” de meu nascimento. Lembro-me da estúpida diferença de meus Natais, conforme as mudanças de vida.
Primeiro, a árvore de Natal pouco importava, Jesus na manjedoura, sim. Relembro os presentes inúmeros, a mesona do almoço (meu pai celebrava  o Domingo de Páscoa), os convivas, inclusive um ou outro padre,  impecavelmente vestidos todos, inclusive a mesa de linho branco, a louça portuguesa Vista Alegre, os cristais, a prataria... Nada de guardanapos de papel. Meu pai à cabeceira, minha mãe à direita e o resto que se espalhasse. Meu Deus, que saudade! Por ultimo, o brinde com vinho do Porto do norte português.
Depois, a celebração com os filhos ainda crianças, um calorão dos infernos que nos obrigou a ficar quase pelados, elegâncias jogadas no lixo, mas uma alegria total. Tantos presentes que o baú do quarto infantil teve que ser esvaziado para que nele coubessem os novos brinquedos. Gritos e risos até à hora de dormir.
E ainda, os Natais de muita dificuldade posta de lado, depois da saída do primeiro marido, celebrado com gente amiga, jovens que não tinham “Programa de Natal” nas famílias, talvez por serem de outras cidades longínquas ou outras religiões. Vinho tinto, cerveja, cada um trouxe um petisco, felicidade a ocupar assentos e assoalho do salão, junto com meus filhos, por certo. Nada de presentes: todo o mundo duro. Isto à noite, entrando pela madrugada adentro. No dia seguinte, simplicidade e boa comida no almoço dos avós de meus filhos.
Casamentos, separações, formaturas, mortes... e o Natal minguou junto com a redução da familia. Ainda se tenta um bacalhauzinho de nada, um presunto ou chester de forno, umas castanhas, umas rabanadas, uma ou outra fruta... Tudo diet.
Verdade que, até uns dois anos atrás, as tentativas de retomada da celebração continuaram, numa ou noutra casa. Quase sempre na mais espaçosa. Cada vez com menos presentes e um calorão “da gota”, como diz uma de minhas amigas mais conservadoras  de adjetivos e expressões das antigas.
Se não fosse o nosso coral do Colégio Santo Agostinho, que me ajuda a saborear  a vida e recorda as canções natalinas antigas (porque novas não as há)  em geral herdadas dos protestantes norte-americanos, e a minha Igreja de Santa Mônica, que não deixa de aclamar com presépios e flores o nascimento de Jesus Cristo, a esperança dos homens de fé, eu me internava em lugarejo sem religião ou misticismo e... chorava.

 Ano Novo, meu Deus!

A cada ano, penso que não vou resistir às Festas. Este ano, eu fujo, digo e repito, de outubro em diante. Acabo em casa sempre, por consideração aos “alguéns” da família.
Nos meus muitos anos novos passados bem, mais ou menos ou mal, conservava a ilusão de que tudo podia melhorar, tapeação vulgarizada por todos os meios e mídias. Não sou diferente agora, não me tornei mais realista, apesar de, sem dúvida, ter ficado um pouco mais temerosa com o longo caminho percorrido.
A cada dia de dezembro, o que presencio e compartilho é a repetição dos bons votos de e para pessoas, às vezes, quase desconhecidas: empregados do nosso prédio, minha empregada de mais de 15 anos de casa, motoristas de taxi, atendentes de lojas... Enfim, toda a gente quer para sí e para os seus um  Natal e um Ano-Novo “da pontinha”, como falava minha mãe. E fica muito grosseiro guardar os votos para sí mesmos. Hipocrisia, às vezes, ajuda.
            Meus primeiros festejos de passagem de ano não se chamavam ainda “réveillon”, termo de gente metida à besta com o uso de palavras estrangeiras, hoje vulgarizado. Minha família passava a meia-noite  rezando e iamos dormir, sob um ou outro barulho de fogos. Poucos e nunca confundidos com as balas delirantes, soltadas para o ar pelos bandidos de minha cidade atual. No dia seguinte, missa sem falta, nem que não tivéssemos pecado na véspera. A igreja do bairro era o centro das atrações de meu pai e ele nos forçava a segui-lo, pelo menos, no dia primeiro, mesmo depois de uma longa noite anterior.
            Muitos anos depois, lembro-me de fato inusitado: - Vamos jogar flores para Iemanjá! - disse meu irmão diplomata um belo dia, recém-chegado de alguma parte longinqua do mundo. E  nos enfiamos, os três irmãos, mar adentro, com flores em honra da Rainha do Mar, catolicismo posto de lado. Depois, sim, um bocado de festa pagã  para “distrair os miolos”, outra fala de minha mãe.
            Não teve resultado positivo algum a crença e o ato ignorados por minha gente. Acho que nossa fé estava alhures. A coisa ficou feia naquele Ano-Novo pós homenagem à Iemanjá: meu pai perdeu toda a sua fortuna. Tristeza familiar sem cura,  só houve um jeito: à hora da mudança de ano em novo dezembro, o filho homem saiu da sala correndo e deu descarga na privada. À meia-noite em ponto. Depois do espanto geral,  risos nervosos, cara cheia e pronto.
            A macumba na praia marcou meus primeiros anos de Rio de Janeiro, muito mais que fogos e multidão. Vi muita senhora elegante jogar flores brancas, vi muitos Pais e Mães de Santo a segurar mulheres em transe, logo à beira da arrebentação do mar de Copacabana, em rito estranho para católicos de verdade.
Além de proibirem o espetáculo de candomblé - certamente por cafona demais, não sei, e substituírem-no por palcos montados na praia para shows, tiveram que acabar com os fogos na areia, que meus filhos viam em mescla de medo e êxtase, para minha grande preocupação. Tudo na paz de Deus, um queimadinho ali, outro aqui, sem o aperto, o alvoroço e os turistas de agora. Morávamos logo ali, no Lido, a uma quadra da praia. Assim, seguíamos o fluxo da platéia, acho que todos bem cariocas, que afluíam aos montes pelas ruas laterais, um pouco bêbados talvez e muito cheios de energia. Um espetáculo bonito, sem grandes estardalhaços.
Depois, o que era receio transformou-se em realidade: os fogos fizeram vítimas sérias. Os organizadores iniciais foram despedidos pelo Sr. Prefeito, sem dó nem piedade. A prefeitura apelou para as balsas, de maior segurança, sem dúvida, mas sem a graça do ao vivo dos fogos de artifício, no céu bem próximo de nós.
            Filhos grandes seguiram cada qual seu jeito próprio de comemorar . Nós, os adultos, fazíamos um grupelho, para curtir a grande festa. A cidade cresceu em movimento constante, os turistas de outras partes do Brasil e alguns de fora começaram a desejar a luxúria e a confusão do famoso réveillon da Cidade Maravilhosa. Resultado: milhões de pessoas, em geral jovens ou ainda pessoas com forças para varar a noite em pé. Verdadeiro tumulto de show de rock na Copa cabana  do Rio de Janeiro.
Adeus, cidade mais civilizada, restou aos cariocas sair para resorts, casas de praia e campo ou mesmo lar de seus parentes do interior. E nós, como ficamos nessa noite de alegria obrigatória? Consolo da tevê a exibir as maravilhas da Passagem de ano em outras terras, Prosseco na mão, que champanhe está caríssima, e brindes, nem que seja a dois ou a três, no máximo, ao ano que chega. Sem choro de emoção, mas com alguma esperança.
As tragédias não vão acabar, mas quem sabe o Ano das Olimpíadas no nosso Rio de Janeiro não nos traga o alívio de alguns campeões nossos, amém. Vamos torcer! 
Maria Lindgren


Nenhum comentário:

Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren