Aí vão meio atrasados. Sorry! Maria Lindgren
Repetição desigual
De repente,
estou muito só, mas muito mesmo. O velho nó no estômago começa a apertar de modo inusitado. Como um alicate
delicado, mas fiel à sua função. Decido, pela milésima vez, ir a um psiquiatra.
Não é possíbel repetir sensações nauseabundas todos os anos de uma vida longa.
Há que experimentar mudanças sempre, coisa que, cada vez mais, desanimo de levar
adiante. Claro que, na minha idade, nada pode ser “para melhor” - penso, com
meu realismo de quem leu e sentiu muito Fernando Pessoa.
Chega uma
amiga sem aviso - raridade nos tempos atuais. É vizinha e nunca havia entrado
no meu escritório. Convido-a a conhecer tudo e ela para diante das fotos, que
exibo com o maior orgulho: meu filho com três anos, seu cabelo e sorriso
inimitáveis, o mesmo filho muito mais velho, agora com a filha, minha sogra e
meu marido - essa mania de ser a fotógrafa sempre me exclui em dia de festança,
Darcy Ribeiro de braços abertos à vida e os dizeres que o tocaram sempre para
frente “ Depende de nós”, eterno exemplo
para os desanimados e, finalmente, mamãe e papai, lindos nos seus quarenta
anos, a se olharem com amor.
Que ideia esta
de cavucar fotos íntimas perto do Natal! E para uma sehora que nunca conviveu
comigo antes deste apart de hoje. Como pode ela entender a dor da única foto
que eu não queria comentar e acabei por faze-lo: a da amiga de braço dado
comigo, que morreu cedo de câncer.
Faço uma baita
força para não dar vexame e tiro a vizinha para a sala, quase a empurrá-la, ela
que é a única a procurar me ver e agradar. Ingrata, penso que devia ir mais à
cobertura onde ela mora, mas nunca obedeço direito aos ditames das obrigações,
com todo o meu catolicismo.
Volto à
solidão e a dar uma olhada no casal “culpado” de meu nascimento. Lembro-me da
estúpida diferença de meus Natais, conforme as mudanças de vida.
Primeiro, a
árvore de Natal pouco importava, Jesus na manjedoura, sim. Relembro os
presentes inúmeros, a mesona do almoço (meu pai celebrava o Domingo de Páscoa), os convivas, inclusive
um ou outro padre, impecavelmente
vestidos todos, inclusive a mesa de linho branco, a louça portuguesa Vista
Alegre, os cristais, a prataria... Nada de guardanapos de papel. Meu pai à
cabeceira, minha mãe à direita e o resto que se espalhasse. Meu Deus, que
saudade! Por ultimo, o brinde com vinho do Porto do norte português.
Depois, a
celebração com os filhos ainda crianças, um calorão dos infernos que nos
obrigou a ficar quase pelados, elegâncias jogadas no lixo, mas uma alegria total.
Tantos presentes que o baú do quarto infantil teve que ser esvaziado para que
nele coubessem os novos brinquedos. Gritos e risos até à hora de dormir.
E ainda, os Natais
de muita dificuldade posta de lado, depois da saída do primeiro marido,
celebrado com gente amiga, jovens que não tinham “Programa de Natal” nas
famílias, talvez por serem de outras cidades longínquas ou outras religiões.
Vinho tinto, cerveja, cada um trouxe um petisco, felicidade a ocupar assentos e
assoalho do salão, junto com meus filhos, por certo. Nada de presentes: todo o
mundo duro. Isto à noite, entrando pela madrugada adentro. No dia seguinte,
simplicidade e boa comida no almoço dos avós de meus filhos.
Casamentos, separações,
formaturas, mortes... e o Natal minguou junto com a redução da familia. Ainda
se tenta um bacalhauzinho de nada, um presunto ou chester de forno, umas
castanhas, umas rabanadas, uma ou outra fruta... Tudo diet.
Verdade que, até
uns dois anos atrás, as tentativas de retomada da celebração continuaram, numa
ou noutra casa. Quase sempre na mais espaçosa. Cada vez com menos presentes e
um calorão “da gota”, como diz uma de minhas amigas mais conservadoras de adjetivos e expressões das antigas.
Se não fosse o
nosso coral do Colégio Santo Agostinho, que me ajuda a saborear a vida e recorda as canções natalinas antigas
(porque novas não as há) em geral
herdadas dos protestantes norte-americanos, e a minha Igreja de Santa Mônica,
que não deixa de aclamar com presépios e flores o nascimento de Jesus Cristo, a
esperança dos homens de fé, eu me internava em lugarejo sem religião ou
misticismo e... chorava.
A cada ano,
penso que não vou resistir às Festas. Este ano, eu fujo, digo e repito, de
outubro em diante. Acabo em casa sempre, por consideração aos “alguéns” da
família.
Nos meus
muitos anos novos passados bem, mais ou menos ou mal, conservava a ilusão de
que tudo podia melhorar, tapeação vulgarizada por todos os meios e mídias. Não
sou diferente agora, não me tornei mais realista, apesar de, sem dúvida, ter
ficado um pouco mais temerosa com o longo caminho percorrido.
A cada dia de
dezembro, o que presencio e compartilho é a repetição dos bons votos de e para
pessoas, às vezes, quase desconhecidas: empregados do nosso prédio, minha
empregada de mais de 15 anos de casa, motoristas de taxi, atendentes de lojas...
Enfim, toda a gente quer para sí e para os seus um Natal e um Ano-Novo “da pontinha”, como
falava minha mãe. E fica muito grosseiro guardar os votos para sí mesmos. Hipocrisia,
às vezes, ajuda.
Meus
primeiros festejos de passagem de ano não se chamavam ainda “réveillon”, termo
de gente metida à besta com o uso de palavras estrangeiras, hoje vulgarizado.
Minha família passava a meia-noite rezando e iamos dormir, sob um ou outro
barulho de fogos. Poucos e nunca confundidos com as balas delirantes, soltadas
para o ar pelos bandidos de minha cidade atual. No dia seguinte, missa sem
falta, nem que não tivéssemos pecado na véspera. A igreja do bairro era o
centro das atrações de meu pai e ele nos forçava a segui-lo, pelo menos, no dia
primeiro, mesmo depois de uma longa noite anterior.
Muitos
anos depois, lembro-me de fato inusitado: - Vamos jogar flores para Iemanjá! -
disse meu irmão diplomata um belo dia, recém-chegado de alguma parte longinqua
do mundo. E nos enfiamos, os três
irmãos, mar adentro, com flores em honra da Rainha do Mar, catolicismo posto de
lado. Depois, sim, um bocado de festa pagã
para “distrair os miolos”, outra fala de minha mãe.
Não
teve resultado positivo algum a crença e o ato ignorados por minha gente.
Acho que nossa fé estava alhures. A coisa ficou feia naquele Ano-Novo pós
homenagem à Iemanjá: meu pai perdeu toda a sua fortuna. Tristeza familiar sem
cura, só houve um jeito: à hora da
mudança de ano em novo dezembro, o filho homem saiu da sala correndo e deu
descarga na privada. À meia-noite em ponto. Depois do espanto geral, risos nervosos, cara cheia e pronto.
A
macumba na praia marcou meus primeiros anos de Rio de Janeiro, muito mais que
fogos e multidão. Vi muita senhora elegante jogar flores brancas, vi muitos Pais
e Mães de Santo a segurar mulheres em transe, logo à beira da arrebentação do
mar de Copacabana, em rito estranho para católicos de verdade.
Além de proibirem
o espetáculo de candomblé - certamente por cafona demais, não sei, e
substituírem-no por palcos montados na praia para shows, tiveram que acabar com
os fogos na areia, que meus filhos viam em mescla de medo e êxtase, para minha
grande preocupação. Tudo na paz de Deus, um queimadinho ali, outro aqui, sem o aperto,
o alvoroço e os turistas de agora. Morávamos logo ali, no Lido, a uma quadra da
praia. Assim, seguíamos o fluxo da platéia, acho que todos bem cariocas, que
afluíam aos montes pelas ruas laterais, um pouco bêbados talvez e muito cheios
de energia. Um espetáculo bonito, sem grandes estardalhaços.
Depois, o que
era receio transformou-se em realidade: os fogos fizeram vítimas sérias. Os
organizadores iniciais foram despedidos pelo Sr. Prefeito, sem dó nem piedade.
A prefeitura apelou para as balsas, de maior segurança, sem dúvida, mas sem a
graça do ao vivo dos fogos de artifício, no céu bem próximo de nós.
Filhos
grandes seguiram cada qual seu jeito próprio de comemorar . Nós, os adultos,
fazíamos um grupelho, para curtir a grande festa. A cidade cresceu em movimento
constante, os turistas de outras partes do Brasil e alguns de fora começaram a desejar
a luxúria e a confusão do famoso réveillon da Cidade Maravilhosa. Resultado:
milhões de pessoas, em geral jovens ou ainda pessoas com forças para varar a
noite em pé. Verdadeiro tumulto de show de rock na Copa cabana do Rio de Janeiro.
Adeus, cidade
mais civilizada, restou aos cariocas sair para resorts, casas de praia e campo ou mesmo lar de seus parentes do
interior. E nós, como ficamos nessa noite de alegria obrigatória? Consolo da
tevê a exibir as maravilhas da Passagem de ano em outras terras, Prosseco na mão,
que champanhe está caríssima, e brindes, nem que seja a dois ou a três, no
máximo, ao ano que chega. Sem choro de emoção, mas com alguma esperança.
As tragédias
não vão acabar, mas quem sabe o Ano das Olimpíadas no nosso Rio de Janeiro não
nos traga o alívio de alguns campeões nossos, amém. Vamos torcer!
Maria Lindgren
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