sábado, 17 de maio de 2008

E agora, Minha Praia do Coração


Depois da nobreza toda sair da Suécia e de Portugal para o brasil, fui parar em Niterói
E assim, conheci Icaraí, minha praia da infância. Não posso deizar de falar dela, né mesmo?

Minha Praia
Praia de Icarai- Niterói - s/data

Revejo a foto da Praia de Icaraí, contrariada. Não, não estou disposta a lembranças. Por que fui abrir este site, meu Deus! Logo hoje, dia de ressaca de dores mal acompanhadas de sonolência, por conta de inúmeras tentativas de remediar o impossível!? Do saco de água “pelando”, do tempo de minha mãe, aos anti-inflamatórios poderosos, ruína dos estômagos sensíveis.
Por que não me deixo ficar na cama, sem me mover, na posição que melhor convier aos músculos tensos pelas -ites: tendinite, no lado direito do pescoço, e bursite, na articulação coxo-femural da perna esquerda? Por todos os lados, pois.
Nem me lembro de quantas vezes me vi com saco de água quente ou de gelo, massagens variadas, exercícios de esticar corpo, aplicação de ultra-som, tração cervical e outros paliativos, para terminar postada na cama por três intermináveis dias de bestar.
Agora, com a foto de Icaraí, Niterói, à minha frente, como a implorar recordações, não tem jeito: falo dela. Começo por uma praia de sonhos de menina do Fonseca, bairro sem mar, nem brisa fresca. Calorão de fim de ano e eu, vestida de uniforme do colégio, a suar, suar, suar...Icaraí, miragem de menina sedenta de frescor, substituta do sol grosseiro sobre roupa quente: saia de percal - uma mistura de brim e lãzinha -, blusa branca de popeline de manga comprida, sapato fechado preto, com meias brancas. Colégio de freiras.
Lá bem longe, Icaraí: maiô de lycra meio comprido, mas sempre maiô. E muito refresco gelado. De preferência, limonada, com muito gelo, muito açúcar e pouco limão.
Minha irmã e eu fugíamos da escola de bonde ou “lotação” - micro-ônibus da época - direto para a praia. Na pasta escolar, o maiô escondido. Então, que beleza! Infração, junto com praia, prazer em dobro.
E que praia! Areia branquinha, mar sereno, limpo, trampolim para os mais afoitos, biscoito timguilim - aquele cilíndrico, de casca levíssima e tostada, barulho anunciado semelhante à matraca de igreja na Semana Santa. E mais, sorvete de frutas ou creme, feitos a capricho em sorveteria doméstica, mineirinho - refrigerante bem doce, bolado por Niterói, sem entrada no Rio de Janeiro.
O mar de marola, pouca onda, límpido de se ver o corpo mergulhado até o pé, atraía à carícia da água ou à natação dos mais corajosos. No meio da Praia, a uma distância possível de se chegar a nado, o trampolim - idéia feliz, mas perigosa, não sei bem de qual prefeito. Sempre apinhado nos fins de semana calorentos, de céu azul, deixava cair ou saltar os meninos e rapazes indômitos, para horror dos mais velhos.
Depois das fugas eventuais, férias e Praia de Icaraí até ficar torrada, a ponto de minha mãe se envergonhar da “crioulinha” adolescente. E eu, prosa, com minha tonalidade de pele a la mulatas de Gauguin, sucesso garantido com os garotos. Maiô branco ou amarelo, para realçar a cor.
Estranho! A época era de muito preconceito racial, mas todas as minhas amigas invejavam o meu queimado praiano. Incoerência?! Verdade que, na praia, a morenice disfarçava qualquer celulite de meu corpo bem rotundo. Tipo boazuda, ideal dos rapazotes.
- Olha que morenão! Um traseiro!
À noite, o footing até nove e meia, no máximo. Pai severo, filhas medrosas obedeciam. Um dia, mal saindo da adolescência., o amor encontrado no passeio noturno. O moço moreno e forte fixou-me os olhos lânguidos, eu me derreti: caí de paixão. E o que era mais tesão do que amor, virou casamento.
Do dia do casório até o nascimento dos filhos, a praia tornou a ficar mais longínqua. Não porque se morasse tão longe assim, mas porque mulher casada sem desculpa de filho, não dava.
Assim que os filhos cresceram, puderam andar sem ajuda, a praia de novo, com assiduidade. Moradores de apartamento, já se sabe, têm que procurar lugar amplo, arejado, para distrair os filhotes, ajudá-los a crescer. Em Niterói, Icaraí nos dias de verão, ou Campo de São Bento, nos dias menos quentes.
A ida à praia tinha seu aparato: desciam do armário baldes, pás e ancinhos de plástico, barracas e cadeiras de lona... uma parafernália de uso obrigatório. Só que, às vezes, as crianças ignoravam seus pertences praianos, preferindo a bola, a peteca do vizinho de barraca ou buracos e castelos feitos à mão mesmo.
À volta, o gosto de um banho frio de ducha maravilha. À noite, sono fácil para toda a família: filhos, por excesso de brincadeira; pais, por excesso de trabalho e um tanto de preocupação com as peles ardidas das crianças. Para mim que, desde pequena, desenhava um dia feliz como de sol e praia, exaustão de prazer. E boa lembrança para toda a vida, não importa os acidentes de mergulho ou as ressacas na Boa-Viagem.
Anos depois, moradora de Copacabana, passo pela Praia de Icaraí. Cadê o trampolim? Cadê a areia limpa? Cadê a água de pés nítidos?
Com o crescimento imobiliário, Icaraí não deu conta dos prédios poluentes nem dos moradores. Os mais chiques fugiam para as Praias Oceânicas: Itacoatiara, Piratininga, Camboínhas...
Envergonhada, confesso: eu, também.
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Um comentário:

Luiz de Aquino disse...

Pois é, Maria!
A saudade é sentimento geral, mas com poesia ganha sabor de coisas remotas, sim! Como os biscoitos... Ou a dor que nos causam ausências irreversíveis, como o trampolim de Acaraí. Alguma árvore, a água límpida, as pessoas menos apressadas... Até o barulho de trânsito era menos cruel. Ou éramos mais tolerantes?
Bela crônica, menina de Icaraí e dos lotações, dos bondes, do Jajá de coco...

Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren