terça-feira, 27 de maio de 2008

Itaipu das serestas



Itaipu das serestas

Itaipu diante dos olhos, Santo Deus! Há quantos anos não piso naquela areia fina, não vejo casa de pescadores, nem me regalo com mar de água mansa?!
Por que a Praia de Itaipu ficou tão difícil de alcançar, se moro em cidade vizinha a Niterói? Que mania besta esta de virar carioca, achar Niterói tão longe, se o vice-versa ao acontece?! Tem gente de lá para cá todos os dias, desde o tempo da Barca da Cantareira.
A foto de um pedaço de Itaipu suscita a recordação de um dia de verão, como tantos outros, e meu irmão, eterno viajante, chegando de fora com secura de farra musical. Seu desejo não era de nenhum espetáculo de música clássica ou popular, de cantores superbadalados, que os havia em pencas no Rio de Janeiro. Corriam os anos de 1970 e as novidades musicais brasileiras, tantas e tamanhas, davam ganas de cantá-las, dentro e fora dos protestos políticos da ditadura.
O que meu irmão queria era se juntar conosco em melodias, ouvir seu violão e sua voz em uníssono com a turma antiga do Fonseca, com os amigos mais novos e alguns parentes de gosto similar, nas serestas de dois, três violões e vozes de tons diversos. Cada qual querendo furar a apresentação do outro, mas contendo-se por educação e, claro, por amizade pra dar e vender.
A turma tinha cantoras desde a imitação perfeita de Carmem Miranda por nossa prima, até a bossa-nova, passando pela velha bossa das cantoras do rádio, da televisão mais recente e... do fado português de Amália Rodrigues. Os cantores, em menor número, esforçavam-se para acompanhar a si próprios e às cantantes, em seus violões, praticados nas horas de folga do trabalho Uns auxiliavam os outros, passando-lhes harmonias desconhecidas, sem competição. Afinal, éramos todos diletantes. Dali não saiu um único profissional da música popular brasileira. Não porque fossemos pior que muitos, mas porque a vida não nos deu, a tempo, as dicas necessárias. Ou o destino não quis, sei lá.
Que lugar escolher para a cantoria? Com calor de quase quarenta graus, ficou acordado que uma praia oceânica seria ideal. Mas, que praia escolher entre Itaipu, Itacoatiara, Piratininga, Camboínhas, Itaipuassu....?
Turma reunida em minha casa, repassamos as características de cada praia, segundo nossa opinião, é claro. Não seguíamos história, nem moda. Sonhávamos sossego em volta, para que os violões e as vozes soassem alto, sem atrapalhar ninguém.
Itacoatiara, não: mar forte e bastante casas de veranistas ricos; Pirati - apelido carinhoso de Piratininga - melhor para bebericar, papear e comer peixe assado na brasa; Camboínhas, quase deserta na época, dava um pouco de medo de mergulhar e saía da definição de praia, de meu imão: - Praia, pra mim, é um lugar de mar e bar. Além do mais, ainda que não se ouvisse falar de assaltos e seqüestros, os carros de nossa gente eram bem precários, sujeitos a enguiços constantes. E posto de gasolina, cadê? Itaipuassu, nem se fala: longe demais, sem infra-estrutura também. Opção geral: Itaipu.
Motoristas e caronas a postos, lá fomos para Itaipu. Bela praia de pescadores, de areia fina, cheiro de peixe fresco, ruínas de construções antigas, sambaquis famosos!
Só havia um ou dois bares do lado esquerdo da praia, onde o mar não batia: acariciava. A sede de bebida e prazer musical batiam o desejo de comilança. Escolhemos rápido a mesa mais discreta, mais acolhedora às cantorias, pedimos cerveja e... pronto: os violões iniciaram a obedecer a dedos bem ágeis, na seresta vespertina, sem hora para acabar. Dois violões e meia dúzia de cantores afinados, fora esparsos espectadores sempre sorrindo, em aquiescência muda. Palmas ao final de cada canção, compeliam a mais, mais, mais...
O grupo, quase sempre o mesmo: meu irmão cantor e violeiro, meu acompanhante oficial, os primos tocadores, cantantes também, a prima sambista, o amigo engraçado, as amigas assanhadas, os velhos amigos de meu irmão dos tempos do Fonseca sem praia, e que-tais.
Copos de cerveja à mão, goles pequenos ou grandes, linguiça frita caprichada, eventuais queijos e farofa, uma ou outra caipirinha mais ousada.
De vez em quando, um de nós escapava para mergulho refrescante. Depois, outro, e outro nunca ao mesmo tempo, para não quebrar a corrente sonora e a inspiração.
Diante do pôr do sol vermelho, extasiados, calávamos uns minutos, para recomeçar em seguida. Levantávamos a contragosto para sair, ao chamado do dono do bar: - Vamos fechar, minha gente. Já é tarde. Amanhã tem mais.
O resto era voltar bem cansados, quase sem goela, com dedos machucados de tanto percorrer as cordas do vilão e ... - Que tal voltarmos amanhã?!

2 comentários:

Prof. Otávio disse...

Belíssimo texto. Desses que como um garimpeiro velho acha numa mina já abandonada a muitos anos...
Estava procurando informações sobre a praia de Itaipuassu e acabei achando este texto...neste caminho vi no google earth que a fúria urbanística atacou em cheio a região. Isso que fui lá em 1998, 10 anos atrás para o show dos Rolling Stones e como as pedras rolam...
Para chegar lá fui de ônibus que andou milhares de quilômetros e desci quase no final da linha, fui direto para a praia pois o calor era infernal, para um cara do sul - claro. Na sequência achei um prédio "abandonado" pela ação das dunas e que foi transformado "precariamente" em restaurante, pousada, e ponto de apoio aos viajantes...
Fiquei sestroso de deixar minha mochila ali para um mergulho mas tudo ocorreu bem.Bateu fome e o cara disse que o peixe era "sargo" que nunca tinha ouvido falar. Maravilhosamente deliciado em meu estômago juntou-se, aos poucos uma galera para conversar sobre Rolling Stones e outras cositas mas, quando dei por mim era noite e aí perguntei o horário do ônibus de volta e se não tinha outra linha. Os caras, que pelo visto ficam ali só surfando, me disseram para subir o caminho do morro do falso Pão de Açúcar. Despedi-me do pessoal e fui para a parada esperar o ônibus e nada dele vir. Resolvi seguir a dica e comecei a subir, subir, subir e quando estava plenamente apavorado avistei as luzes da Cidade Maravilhosa, ai acalmei-me tirei uma fotos mesmo no escuro e começei a descer uma das maiores lombas que já desci... tinha medo de me desiquilibrar com a mochila... Os caras estavam com a razão logo estava na estrada de Itaipu onde tem mais ônibus. Para comemorar na esquina desta ladeira tinha um bar e tomei uma cerveja e tive uma aula sobre hidráulica pois perguntei o porque que a maioria das pessoas ainda tinha dificuldades com abastecimento de água e um senhor disse que o pessoal é preguissoso pois o mar é o "esgoto do mundo" e as águas sempre descem para o litoral e era só captá-la, faz sentido...
Segui meu caminho e resolvi, já que era cedo aproveitar um pouco mais do visual de Niteroi a noite. Quando dei por mim já era quase meia noite e tive que correr para pegar a última barca para o Rio. Meu avião saia as 3 e 30hs depois e outras aventuras para tentar ir de ónibus para o aeroporto, conseguir pegar o avião na "unha" e estava muito suado mas feliz pela "viagem" ter chegado ao fim...
Obrigado por me fazer lembrar dessa história... deu saudade de lá.
Grande Abraço.

Prof. Otávio disse...

Ah! meu blog é http://ahistoriaagora.blogspot.com/
Até.

Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren