quarta-feira, 10 de março de 2010

De volta

De volta
Queria demais voltar à terra em que nasceu. De pele meio enrugada, cabelos pintados para disfarçar os brancos, corpo um tanto curvado, joelhos meio cansados... Ainda assim, uma bela viagem. Sonhava e sentia o cheirinho da terra, do ar não poluído de SUA aldeia, ouvia o sotaque carregado do Norte de Portugal, quase esquecido. Ah! Um poema de Florbela Espanca declamado por português autêntico!
Maria Joana tinha certeza de encontrar os festejos dos parentes, apesar dos sessenta e tantos anos longe, sem uma visita sequer, como era possível! Alguns mortos, no único cemitério, outros velhos vivos, nos diferentes povoados ao redor, poucos maduros, em Lisboa e Coimbra, como o primo nunca esquecido, de olhos verdes que lhe abriam o coração.
Será que receberia abraços carinhosos e beijos sentidos, até meio molhados, iguais aos que dera nas bochechas dos parentes, naquele longínquo passado em que deixara a família portuguesa com o marido? Quanto chão!
Na certa, um enorme nó lhe atacaria a garganta, qual hérnia de disco que não deixa respirar bem, ao rever o que restasse da casa do pai, morto há bastante tempo. Toda branca, impunha-se na paisagem da Serra do Marão, rodeada de pequenas casas a se humilharem diante da moradia central do professor único daquelas paragens.
Sim, porque o pai tinha ensinado a várias gerações, na aldeia pequenina. E respeitavam-no talvez mais do que a qualquer professor-doutor, desses que aparecem na tevê de hoje, para comentar os desastres ecológicos, a descoberta de novas formas de transplantes, as escaramuças assassinas das grandes cidades...
O homem jamais pisara em universidade, o que não lhe impedia o interesse pelos livros. Nem precisava. Sabia como conduzir os alunos às primeiras e médias letras. Não ultrapassava os cinco anos da escola primária. Conhecia suas limitações e as leis do magistério português. Todos os alunos numa mesma sala de aula, que jeito? Mas quem estudava com ele, não esquecia o prazer de ler, escrever, contar – ensinamentos básicos para o que der e vier.
A própria Maria Joana fora sua aluna e não mais estudara. Aos quinze anos, contava apenas com as luzes fracas de rapariga de aldeia: dedicava-se ao trabalho doméstico, ao lado da mãe, folheava o que lhe caísse ás mãos, em geral, velhos jornais. Namorado firme arranjado na vizinhança, livros, para quê?
Aos dezesseis anos, Brasil, bagagem pesada de sonhos e alguma roupa. Em companhia do rapazola que a desvirginara.
Um absurdo casar tão cedo, se pensarmos nos estratos sociais mais altos dos tempos modernos! Coisa trivial naquela época em que a mulher só valia alguma coisa se casasse. Não queria sofrer o risco de ser chamada M´nina Maria Joana para o resto de seus dias. Casamento dava dignidade e respeito. Passava a ser Sra. Dona.
Se tivesse que definir seus sentimentos em relação ao namorado diria que eram algo como uma coceira incipiente, que não chega a se alastrar corpo a fora ou a dentro, nem sei. Nenhum calor tão especial assim vinha-lhe das entranhas. Mas, o fato é que, meio sem graça, a relação sexual deu num filho.
Cumpridas as formalidades de praxe - licença do padre e do juizado local, por ser menor de idade, casaram-se e viajaram direto para o Brasil. Que vale é que Manuel, em seus vinte três anos, tinha ambição, queria alargar as vistas de filho de camponês, trabalhador do campo, e entrar com fôlego em nova carreira.
Foi tudo muito rápido porque a vergonha de uma barriga inchada seria demais para o pai-professor. Bastava o escândalo da irmã mais velha, que se casara com um padre. Se não se apressassem, surra no futuro noivo, de pai e tio bem machos, acostumados a dar o troco no muque. Sobretudo o tio, rude trabalhador rural, que jamais largara os vinhedos para embrenhar-se em escola e letras. Sabia, isso sim, distinguir as uvas que prestavam para o vinho maduro e o vinho doce de sua terra.
A viagem de Maria Joana e Manuel não podia agradar a ninguém: na terceira classe de um navio nada era flores. Chegaram ao Brasil daquele jeito de cansaço, depois de dez dias de muito enjôo e ansiedade. Mal conseguiram apertar a mão do amigo caído do céu.
Logo foram com ele, de barca, para outra cidade, que não o Rio de Janeiro, do outro lado de uma baía: Niterói. Ânimo revigorado pela brisa fresca, o mar parecia-lhes bem diverso do marzão sem fim da viagem. Uma hora, no máximo. Apesar de um certo medo a lhes arrepiar o corpo, até o atracar da embarcação - reflexo dos muitos dias de nenhuma visão no horizonte.
O amigo da família, Sr. Joaquim dos Santos, de mais de cinquenta anos, radicado no Brasil há bem uns trinta, lhes perguntou, com sotaque familiar:
- Antão, estão a gostar da paisagem?
- Pois sim -, responderam em uníssono.
Gostaram de fato da cidade, sem ligar para o calor do verão de trinta e muitos graus. Ainda que se instalassem no centro, perto das Barcas e do armazém do amigo Sr. Joaquim. O mar sempre aparecia, mas deixaram-no para os passeios a pé aos domingos, no caminho para a praia de Gragoatá e, anos depois, para o passeio maior à Praia de Icaraí, essa sim, uma jóia. Tão preciosa que a adotaram como lazer primeiro, depois, como moradia.
Maria Joana teve filhos gêmeos, o que a tomou por inteiro. Como se pouco fosse, uma menina e mais um menino, logo depois. Aí foi que, pela primeira vez, a moça ouviu falar de evitar filho com tabela de dias férteis, tarefa que aprendeu com grande dificuldade, graças a uma vizinha mais viva.
Porque homem da classe popular, os ministros do governo que não se enganem, até hoje, não quer saber de sacrifício sexual. Nada de camisinha de Vênus.
Tropeços normais da vida, Maria Joana ia se fazendo meio-brasileira. O marido bem posto na vida, fez-se sócio da casa, com boa aceitação entre a Colônia lusa niteroiense. Havia visitado Portugal uma única vez, por insistência do sócio.
- O´Pá. Nunca mais voltas à Terrinha? Olha que Portugal é um b´leza. Deixa a família um pouco e vá sozinho.
Maria Joana aceitou esperar sua vez. Em vão. Havia sempre uma desculpa, coisa de marido sovina, que quer juntar dinheiro para o futuro.
O tempo passava e ela com as mazelas de criança, seguidas dos deveres na escola. Freqüentaram boas escolas privadas os miúdos. De repente, sem que se percebesse, os gêmeos formaram-se em medicina e direito, a menina, em pedagogia, o menor, com vocação para músico, fez carreira na Escola de Música do Rio de Janeiro, sucesso quase garantido.
E Portugal? E sua aldeia querida? E a família lusitana?
A morte do marido por enfarte súbito a levou à aceitação serena, por causa dos filhos e das amigas, que a haviam acompanhado nos bons dias e agora a amparavam no enterro e na solidão de viúva.
Foi de uma delas a idéia de irem a Portugal, refrescar os miolos, rever o que sobrara das intempéries naturais do viver.
- Esse negócio de carta pra lá, carta pra cá, é pouco. Você está com os filhos criados, Joana. Eu posso ir com você na viagem. Estou sozinha, eu e Deus, e tenho minhas economias, desde o tempo de meu marido vivo. Vamos?
Maria Joana se preparou meses, com minúcias. Queria vestir-se bem, aparentar juventude eterna, nunca se queixar, para deixar os de lá embasbacados com o Brasil. Exaltar Niterói, com sua beleza natural, sua calma, sua completa falta de perigos urbanos.
Ao espelho, decidiu fazer uma puxada nos olhos meio caídos. Afinal, a plástica entrara em voga e ela havia sido uma moça bem faceira. Não haveria decepção dos familiares. Sobretudo, se desse com o primo quase namoradinho da mesma idade e gosto mais requintado que o dela: aquele que lhe declamava poemas dos afamados poetas portugueses, voz meio rouquenha de emoção, olhos mornos de amor.
Em homenagem ao primo, tome de regime para emagrecer uns bons cinco quilos, além da plástica. Quem sabe, não iriam a alguma festa na cidade do Porto, bem mais pra frente que a aldeia de seu pai? Ou mesmo a Coimbra e Lisboa, num feriado mais longo, quando as universidades davam descanso aos lentes - o primo estava em fins de carreira em Coimbra: ainda não tinha tempo para a aposentadoria.
.Passagens compradas, Maria Joana e a amiga lá se foram, não importa o medo de avião das estreantes. Reza e comprimidos calmantes as ajudaram a vencer o desafio de voar lá acima das nuvens, que coisa!!!
Chegaram estropiadas, mas felizes. Lindo o aeroporto, linda Lisboa. Pena que só de passagem para a aldeia. A luso-brasileira não queria demorar em city tours porque havia avisado o dia da chegada à prima Ambrosina, que herdara a casa paterna, com aquiescência da família. Afinal, era solteira. M´nina Ambrosina.
Pisaram a Régua, que espanto! Como progredira a cidade, para quem se lembrava de uma vila bem atrasada, quase sem nenhum sinal de modernidade. Almoçaram um peixe assado na brasa daqueles regados ao azeite, com vinho e tudo, num restaurante logo acima da ponte sobre o rio, pegaram novo ânimo e de táxi, vejam só, rumo à terra de Maria Joana, que português que se preza não renega a pátria.
Na entrada da aldeia, a placa com o nome escrito em azulejos azul e branco a fez tremer e marejar. Pronto, lá vinham as lágrimas a estragar o prazer. A amiga brasileira, de tanto ouvir falar das belezas da Serra do Marão, apertou-lhe as mãos, solidária.
Num aclive do monte, em domínio da região, a casa branca. Correria desenfreada para os braços da prima idosa, Ambrosina:
- Ai, Jesus que chegaram as brasileiras, chegaram as brasileiras!
Estranhou ser chamada de brasileira, mas calou-se: era o apelido dado a todos que ficavam no Brasil e regressavam à terra, de visita.
No inverno ameno português, o frio pedia aconchego e conversa fora. Não um frio de morte como o da Suécia, Dinamarca, Rússia...
Pela janela, a noite de breu e silêncio, nenhum ruído a intervir no eco das vozes femininas. Ambrosina preparou o aquecedor meio primitivo na sala e nos quartos, acendeu a lareira na cozinha e, bem agasalhadas, as lembranças afluíam como se fosse ontem: gente que Maria Joana havia deixado sem muita vontade, exceto o pai e a mãe, cuja morte lhe havia sido comunicada de supetão, por telegrama.
- E a prima Isabel?
- Casou e mudou-se pra Lisboa há muito tempo. Tornou -se uma lisboeta de truz e lá deitou raízes, quase sem contacto conosco. Lá uma vez ou outra, num Natal, um cartãozito, mais nada. Tá com dois filhos bem taludos. Se quiseres, dou-te o endereço dela.
- E o tio Alfredo, mais a tia Firmina?
- Moraram sempre noutra região, na Serra da Estrela, lembras-te? A família nos visitava a mim e à minha irmã durante anos, mas a velhice e a doença nos prende a todos ao chão próximo. Morreram faz algum tempo, bem antes de minha irmã. Eu não quis mandar dizer pra não te aborrecer com lamúrias. O Brasil fica muito longe para estares a vir a enterros. Ainda bem que só falto eu a morrer.
- E o primo, professor de Coimbra?
- Não recebeste nenhuma notícia, de lado nenhum? Morreu de enfarte há meses. Nem chegou a se aposentar. Faltava um tempo, sei lá eu quanto.
- Tens certeza? É mesmo aquele que me declamava versos românticos, tás lembrada?
- É ele, sim senhor. O Alfredo. Morava em Coimbra. O irmão morreu faz dois anos, de derrame cerebral. Mas com ele, tu não tinhas lá muito a ver, não é mesmo?
Tonta, Maria Joana viu pela vidraça da janela a serra sem beleza, em noite de arrepios. Tentou respirar o ar puro bem diferente do seu ar brasileiro de cidade:, o frio empacou-lhe o desejo. Enxugou o canto dos olhos com a barra da blusa e disse:
- Q´rida prima. Volto amanhã sem falta pro Brasil. Adeus!!!!!!

Maria Lindgren

sábado, 9 de janeiro de 2010

Gaviões e passarinhos

Meus queridos amigos
Estamos em janeiro de 2010, pasmem!!!!!
Ano -Novo, novo resfriado muito forte, depois de viagem marítima bem sucedida. Ah! O calor do Rio de Janeiro! Quase perco as malas e a cabeça, claro, pois sair de uma "nave" que "va" com ar condicionado e muito vento fresco todo o tempo e cair na brasa carioca do cais do porto, com direito à mulatas rebolando e tudo, é pra colocar nacaquinhos no sótão, domo dizia minha mãe.
Como não havia macaquitos nem macacões, todos embrenhados no pouco de Mata Atlântica que ainda nos resta, apavorados pelo calor, peguei uma bruta gripe, sem febre, mas daquelas que lembram o século passado, em que se fazia escalda-pés e se colocava uma toalha molhada na cabeça.
Sofri as penas do fogo eterno durante quatro días de calor abafado, coriza sem interrupção para respirar, dor de rosto inteiro, tosse seca de doer músculo são... Enfrentei chuveiro frio e ar condicionado, apesar de protestos veementea de minha vizinha que de-tes-ta frio e, sobretudo, ar condicionado.
Assim que tive trégua do desespero, escrevi que nem uma ensandecida. Fou o que me salvou do tédio da casa e da sensaboria da vida gripal.
Mandei dois textos para minha amiga craque não de futebol, mas de letras e publicações via internet, Vãnia Diniz, esperando que os demais amigos do yahoogrupos.com.br lessem e gostassem, o que me faria dar menos dois ou três espirros.
Não recebdno tantas respostas como ansiava, decidi escrever mais um, inspirada nos passarinhos que me fizeram companhia na varabda picola de meu apart.
Aí vai o Gavião e Passarinhos, imitação do título de Pasolini que acho lindo.

Gaviões e passarinhos

...Porque, criança, os pássaros não falam
Gorgeando apenas sua dor exalam
Sem que os homens os possam entender...
Olavo Bilac

Não, não se assustem. Não vou plagiar Pasolini em sua paródia cinematográfica da luta de classes. Roubo-lhe apenas o nome do filme. Falo de aves mesmo.
As aves de minha rua não são de porte grande: são passarinhos. É verdade que há pombos, mas raros, e as gaivotas vêem-se longe lá bem alto, quando desfilam em carreiras simétricas.
Gente da cidade está condenada a poucos encantos da natureza, eu sei. Daí que todas as manhãs me atraem, me trazem à vida os chilreios e pios dos passarinhos, que não conheço pelo nome, estúpida que sou. Tirando bentevi, beija-flor, pardal, canário, o resto me é desconhecido. Nem a sabiá, de Tom Jobim, sei identificar.
Nunca me dediquei a estudar pássaros. Preferi imaginá-los nas metáforas e descrições dos poemas. Too bad! Sinto vergonha da minha falta de erudição ornitológica. Que glória saber o nome em latim dos pássaros de minha terra!
Tenho muitas razões para apreciar os passarinhos: delicadeza de alma e de figura, vôo irresponsável, inquietação gostosa, pouso de equilibrista na pontinha de um galho, ainda que de planta sem valor, bater de asas perfeito ao mesmo tempo em que se alimenta de flores...
Torço por eles, sofro sua ausência, desde o dia em que caiu ferido um bem pequenino, no quintal de minha casa, expulso da mangueira aparentemente acolhedora de ninhos. Tremelicou e morreu em minhas mãos, sem um pio. Eu nem entendia ainda o que significava “morrer como um passarinho”, comparação consoladora para o inevitável fim humano, que só constatei na morte de minha mãe.
Gosto de seus cantos, diferente de meu irmão boêmio, que não conseguia conciliar o sono por causa da seresta matinal em volta de seu quarto.
Odeio a prisão das gaiolas, desde que Olavo Bilac reiterou o caráter maligno da prisão de um pássaro.
Desejo que os passarinhos a meu redor voem cem anos, no mínimo. Enfeitariam minhas manhãs de velha lúcida de mais de cem - minha meta atual; não faço por menos. Continuariam a espalhar graça e chilreio, anunciariam vivacidade, logo pela manhã.
Hoje, como sempre, parei para observar por alguns minutos o passarinho pousado no alto da palmeira imperial de minha esquina. Voava despretensioso e, de repente, um pouco cansado, encontrou um local de pouso metade do meu mindinho. Eu que cambaleio com o balanço ameno de um navio em mar nada cruel; que tropeço nas pedras portuguesas das calçadas e em meus próprios pés, quando não chuto móveis; que não alcanço um pulo de menos de meio metro do solo; que não consigo assobiar de jeito nenhum; que abro minhas “asas” sem jeito apenas para abraçar as pessoas mais queridas; que me comunico com voz arranhada via telefone ou nem isso, via computador, morro de inveja e os admiro, cada vez mais.
Soube esta manhã que os gaviões da mata lá da Gávea estão atacando os pássaros de meu bairro. E eu nem sabia da existência de gaviões por aqui. Não sei porque foram contar horror tamanho a uma pessoa fragilizada pelas notícias medonhas do dia a dia dos humanos, que dirá de uma ave, sem nenhum pecado, nem venial.
Gavião sempre foi símbolo de poder de destruição, pior que urubu, pois este come depois da morte do objeto de sua gula. Sei que há gaviões humanos pela aí, mais maquiavélicos, pois matam seu semelhante por pura ganância de dinheiro ou por vingança, não por fome. A cada dia, ouço mais e mais tragédias de homens-gaviões a destroçar outros homens. Não me acostumo, sempre me revolto.
Mas digo a vocês, com toda a sinceridade:, se me dessem uma arma de longo alcance e eu pegasse um gavião voando em direção aos meus passarinhos, era um tiro certeiro, com certeza. Sem nenhum arrependimento.

Maria Lindgren

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Rio de sol, de céu e mar

If I can stop one Heart from breaking
I shall not live in vain
If I can ease one Life from Aching
Or cool one Pain

Or help one fainting Robin
Unto his Nest again
I shal not live in Vain
(Emily Dickinson, Poem 919)


Rio de sol, de céu e mar...

Guerrilha urbana diária, eis o vivemos nesta cidade “ abençoada por Deus e bonita por natureza”. Todos os dias, balas se cruzam morro abaixo e morro acima, entram por acaso em casas de famílias e escolas, raspam ou ferem pernas, braços, abdômen e cabeças, aleijando ou ceifando vidas de inocentes. Moradores atônitos seguem sua rotina de correria, do ir e vir estancado, escondem-se atrás de carros parados, precária trincheira que não lhes dá proteção suficiente, como não o faziam as da chamada Guerra de 1914, testemunhadas no cinema. Ou tentam proteção em vãos de entrada de pequenas lojas comerciais, fáceis alvos para metralhadoras e outras armas que desconheço. Em geral, crianças os acompanham no pique-esconde do horror, pequenas vitimas cujo olhar a tevê nem sempre nos mostra, mas se adivinha esbugalhado, pelo não entendimento da situação, quando pequenos demais, ou pelo medo, quando um pouco maiores. Seu choro não se pode ouvir tal a barulheira. Os carros negros da polícia, sinistros como tanques de outras guerras, espalham mais ainda o terror, sem piedade. Os policiais procuram por em prática os ensinamentos recebidos por “sargentos” mais aptos, mais cruéis, que ganham pouco, mas se orgulham da farda e do ofício, ninguém entende porquê. Portam coletes à prova de bala que, por sinal, deveriam ser distribuídos pela comunidade como fazem os agentes de saúde com as camisinhas, ainda que morram muitos, tantos quanto os bandidos. Com honras de militar, suas famílias recebem bandeiras dobradas, ouvem o estourar dos tiros de homenagem e choram copiosamente. Os pais, tios e outros parentes dos leigos, que morrem por mero acidente de percurso, dão depoimento dramático na televisão, juram que seus mortos na flor da idade eram bons estudantes ou trabalhadores, enquanto a tevê lhes expõe as fotos, para nosso constrangimento impotente. Avós multiplicam-se para cuidar dos netos sem mãe, mais do que já o fazem devido à condição financeira precária da gente moça que tem que ganhar a vida. A luta dura horas de angústia, palpitação cardíaca, e sangue, sobretudo. Granadas não explodem, mas existem, como prova o material depois exposto pela polícia. Os casos da guerra urbana são quase sempre iguais. Um, no entanto, o do Morro dos Macacos, ocorrido há semanas, passará à história de 2009 como o auge da prova de inépcia das autoridades. O piloto era o único com roupa à prova de fogo, já seus companheiros... Acompanhamos abestalhados o helicóptero atingido e em queda seguida de explosão, cena de filmes de atrocidades, apelidados de “adrenalina máxima” para o espectador, que hoje vemos indiferentes, sem a emoção dos clássicos lança-chamas da Guerra de 40 ou da menina queimada da Guerra do Vietnam. A ousadia da bandidagem no Rio de Janeiro chega a seu limite.
Enquanto isso, a passeata Gay, em pleno Dia dos Mortos, para minha surpresa, se colore de fantasias, em carnaval fora de propósito. E se tinha que ser neste dia de respeito aos mortos, por que os gays que, diga-se de passagem, são de minha convivência sem nenhum preconceito, não saíram vestidos de negro, em protesto de milhares de cidadãos contra uma cidade que vive de eventos? E, para mal de meus pecados, lá estava nossa autoridade maior, em demonstração de que apoiar os gays, tornar o Rio o maior destino Gay do mundo, é mais importante do que acabar com o destino infausto de nossa cidade sitiada.

Maria Lindgren

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Curiosidade mata

Curoiosidade mata
Mulheres de burca e chador intrigam, quando não revoltam qualquer espécime ocidental do sexo feminino. Em terra de biquínis sumários, carioca de praia e coração, Fernanda atraía-se pelas fotos de mulheres islâmicas, de vestimentas mais pudicas do que as de freira antiga do catolicismo. Talvez compelida pelo impulso de ajudá-las a se rebelar, como o haviam feito as feministas no século XIX. Ou por curiosidade, apenas. O que levaria essa gente a seguir os ditames machistas, no século XXI? Fanatismo religioso, covardia ou tara oculta?
O cinema no Brasil, sobretudo os que exibem filmes de diretores famosos não apenas americanos, vez por outra, contam histórias passadas no Afeganistão; a tevê, idem, além de pedaços do Irã, do Iraque e alhures, duas ou três mulheres vistas de relance ou abraçadas com crianças mortas, num mar de homens. E trajadas em negro, da cabeça aos pés. Cabelos ao vento, pecado! Rosto descoberto, dádiva de famílias menos zelosas dos deveres do Alcorão. Fernanda sabia de alguns locais, como Egito e Turquia, assim mesmo, na parte mais turística de ambos, no Cairo ou em Istambul. No Egito, testemunhara ela própria as tais damas sem rosto nenhum, que morrem a pedradas, por traidoras dos maridos. Estranho que se vestem de roupa azul claro, não sabe por quê.
Penetrar na vida de um lar islâmico, entender um pouco da subjugação das mulheres, tentar uma entrevista ou um bate-papo com alguma delas, se o chefão da família não se opusesse claro, seu desejo agudo.
Filha de médico, um dia, a oportunidade de ir a Istambul, a um encontro internacional. Teria que se virar sozinha: o pai participaria de todo o evento, durante vários dias. Malas prontas, a recomendação da mãe, conhecedora das paragens:
- Não deixe de levar um lenço para cobrir a cabeça, se não, você não entra em nenhuma mesquita. E é bom não provocar essa gente. Olha o Egito!
Recomendação legitima porque, na viagem ao Egito, levara uma cuspidela no cabelo solto, longo e farto, em pleno mercado de objetos típicos. Istambul, próxima à Europa, dizia-se, não podia ser tão rígida. Os homens, afirmava-se, haviam aprendido a conviver com as turistas ocidentais européias, amansando os fervores religiosos dominadores.
Logo à chegada, aeroporto coberto de turistas de primavera: olhos puxados, redondos, ovais, de cores variadas, cabelos louros, negros, ruivos, vestes absolutamente ocidentais. À esteira rolante, confusão multicultural, à hora de pegar as malas e se enfiar nos táxis para os hotéis. Quase ao pôr do sol, o longo caminho: uma bela paisagem de beira-rio, à direita, o famoso estreito de Bósforo, à esquerda, a linha do horizonte, delineada por monumentos medievais ou mais recentes e uma infinidade de cúpulas de mesquita, orgulhosas do brilho dourado ao sol da tardinha.
- Que maravilha de cidade!, pensou Fernanda, na festa dos de fora.
Era domingo. Ao longo do caminho, pessoas esparsas a flanar pelas calçadas largas, como na praia do Leblon. Muitos homens, em pares ou em grupos, uma ou outra mulher e criança mais crescidinha. Nenhum bebê. Para a moça, um choque o negror das roupas de ambos os sexos, com poucas exceções em beije caqui nas mulheres. E nada de cabelo à mostra, no sexo feminino. Pelo menos, um lenço bem grande à volta da cabeça e do pescoço. Verdade que a temperatura variava de oito graus a dezesseis: bastante fria, para nós, brasileiros da canícula carioca. De todo jeito, para eles, a primavera gostosa não justificava tamanha proteção contra o frio. Fernanda desviou o olhar das manchas escuras. Sentia aflição, pontada de angústia.
No hotel, a língua turca, tão incompreensível quanto a húngara. Graças a uma recepcionista mais esperta, o inglês soou-lhe alívio. No hall da entrada, não viu nativas, mas européias e brasileiras, acompanhadas de homens ou em grupos. Bem agasalhados para o vento constante de Istambul. O quarto acanhado incomodou-a: quase não se podia mover. O banheiro pequeno, de confortável tinha apenas a tal da bica no vaso sanitário, para lavar o que já se sabe, que inspirara um dos viajantes brasileiros a galhofar:
- Quando eu voltar, vou ter saudades das biquinhas de Istambul.
À noite, no restaurante do hotel, Fernanda e o pai, numa única mesa ocupada.
- Pai, como é que eu vou fazer amanhã? Está muito frio para andar na rua. Acho que me meto num ônibus de turismo, enquanto seu encontro durar.
O ônibus passeava lentamente pelos principais monumentos: Igreja Santa Sofia, Mesquita Azul, Gran Bazar... No bazar imenso, vendedores atacavam os turistas, pois, sem consumo, Istambul se ressente. Nos monumentos, visita atabalhoada. Empurrada, amarfanhada, na multidão que seguia uns tais guias de inglês fajuto, bandeirinha histérica ao ar, em comando do rebanho de tênis, jeans e casacos de inverno. Follow me! Here, here!
-. Chega! Desse jeito, não vou conhecer nada. Vou enfrentar o medo e sair a pé. Falo inglês, sei me virar.
No dia seguinte, seguiu a pé para o cybercafé mais próximo. Precisava mandar uns emails, provar o chá da terra, nos potes de vidro transparente, que coisa mais linda. O que mais desejava: conhecer uma turca legítima. No Café, o chá a queimar dedos, servido de má vontade por rapaz nada feio, por sinal. Sentou-se por minutos, até que bateu os olhos em uma moça de seus trinta anos, cabelos castanho com mechas douradas, compridos ao vento, e roupa de couro preto, bem masculina. Jeito de gay ou existencialista dos tempos de Sartre. Acompanhada de dois rapazes mais jovens, ela olhou para Fernanda e fez um esgar, uma espécie de sorriso desafiador, como quem diz - que tal? Num segundo, Fernanda sentada com eles a lhes perguntar:
– Do you speak English?
Sem receio de abordagem sexual, Fernando liderou o papo, perguntando muito do que queria saber sobre a vida das mulheres locais. São como as de Atenas, ironicamente apregoadas pelo nosso Chico Buarque - submissas. A grande maioria da classe média ou popular segue os ditames de Alá, isto é, dos pais e maridos. Não saem do lar, a não ser para levar os filhos à escola e para uma comprinha nos arredores da casa. Não é um confinamento tão completo como nos antigos haréns, mas quase. As de maiores posses, mulheres de empresários, banqueiros... conseguem andar sozinhas às compras, nas ruas de lojas de grife de alta classe. Mesmo assim, hora marcada para o retorno, motoristas a postos. De noite, saem os travestis estranhamente de peruca – havia lojas e lojas de perucas, coloridas até de roxo e azul, para espanto de Fernanda - ou putas prontas para a dança do ventre, nos poucos bares da cidade que se embebeda de chá e fuma o tal de narguilê.
A moça ousada perguntou à Fernanda se queria fazer parte da passeata do 1º de Maio. Iriam na ala das feministas que, pasmem, existem em Istambul. Claro que sim.
No feriado, Fernanda se ensarilhou toda, vestiu-se de camisa branca, calça jeans escura, casaco de couro preto, recém-comprado pelo pai, tênis branco das caminhadas no calçadão da sua praia do Rio de Janeiro. E lá se foi encontrar o grupo no final da praça, interditada, por numerosa força policial, ao tráfego e aos turistas.
Ninguém notou sua presença. Juntou-se ao grupo, aprendeu umas palavras de ordem no turco possível, sentiu-se triunfante. Era a revolução sexual turca, tão esperada. Emoção de fazer suar todo o corpo, seguiu em passeata por uma hora, gritos de guerra a reboarem na praça. Ao passar pelo Cybercafé, bem no final da praça Taxsim, um estranho carro com enorme mangueira rotativa, lançou sobre elas jatos poderosos de gás lacrimogêneo.
Em menos de dois minutos, tosse, garganta e olhos a arderem dizimaram a esperança das mulheres da Turquia. E de Fernanda, também.
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A dignidade de uma cantora

A dignidade de uma cantora
Maria Lindgren
A arte deve seguir os ditames políticos de um país ou tem que denunciar os abusos de poder? Os melhores artistas são os que empregam sua arte para denunciar os governos ditatoriais, a sociedade corrupta, enfim, tudo o que de mal se passa na sociedade em que vivem ou na sociedade mundial? Discussão antiga, mas nunca esquecida.
Sei que há exemplos de escritores famosos que, alguma vez, foram favoráveis a ditadores, como o grande poeta anglo-americano Ezra Pound, que se deixou seduzir pelo fascismo, pasmem. Apesar de ser, sem dúvida, um dos maiores poetas modernos de todas as literaturas. E foi ele mesmo que escreveu contra todas as formas de opressão:
“Go meu song, to the lonely and unsatisfied/ Go also to the nerve-racked, go to the enslaved by convention/ Bear to them my contempt for their oppression...”
Em geral, tendo a preferir a Arte chamada pelos franceses de “engagée”, que não traduzo porque não gosto da palavra em português. Aceito, com certa relutância, os neutros da corrente “arte pela arte”, que não se manifestam e tratam de temas gerais. Desprezo, isso, sim, os que se aliam aos ditadores, como no caso da cineasta alemã Lenny Reinfestald, embora reconheça que seus documentários sobre o nazismo são de boa qualidade. Amiga de Hitler, não!
Até 1985, ano da reinstalação da democracia no Brasil, era impossível para mim não sentir a Arte,que combatia a ditadura e defendia os valores democráticos, ainda que não participasse diretamente de nenhum movimento político.
Daí que a cantora argentina Mercedes Sosa se tornou um emblema para as gerações que viveram sob o jugo da tirania. Conseguiu aliar seu canto ao movimento político chamado da esquerda, sem prejuízo de sua Arte. E sua morte, no domingo, 4 de outubro de 2009 – uma data para se lembrar – nos encheu os olhos de lágrimas de verdade.
Para nós, brasileiros, como para argentinos, chilenos, peruanos ou nicaragüenses, sua voz poderosa e firme “ brotando como um musguito en la piedra”, a entoar Gracias a la vida, apesar das tristezas infligidas por uma das piores ditaduras que foi a da Argentina dos militares e pelo exílio quando já não podia mais, seu corpo grande e seu rosto emoldurado por cabelos tão belos quanto seus sentimentos, não serão esquecidos jamais.
Sobretudo, Mercedes Sosa é importante para aqueles que sofreram de perto os absurdos ditatoriais, inclusive prisão, tortura, desaparecimento e morte, que precisavam gritar seus protestos e seu pranto, mas não podiam.
Nossos melhores compositores e cantores brasileiros, como Chico Buarque, Fagner, João Bosco e outros tinham que usar de subterfúgios para dizer, em palavras disfarçadas, o que lhes ia no coração, levando as pessoas a se conscientizarem de algum modo. A censura forte e burra dos meios de comunicação, felizmente não percebia o que Mercedes e seus amigos nos queriam transmitir em canto e versos, dando-nos de presente seus espetáculos inesquecíveis, pela energia que nos devolviam a cada vez, tornando-nos mais decididos, mais fortes, mais unidos para defender nossas convicções.
A América Latina, com sua língua diferente da nossa, mas comum a todos os demais países, entendeu a mensagem, se foi juntando, transformada em uma só pátria, de um só objetivo, deixando de lado os norte americanos e europeus, quiçá pela primeira vez.
O eco da voz da grande cantora Mercedes Sosa retumba em nossos corações libertários. Segue seu caminho, Mercedes! Deixe-nos suas canções e vá, com a certeza de que não a esqueceremos nunca.

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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

As cinco amigas - homenagem à amizade verdadeira

As cinco amigas
Homenagem à amizade verdadeira
O resto do mundo não tem graça para as meninas eternas. São gente feia, desajeitada, bisonha. Elas, sim, têm do que se orgulhar, presente e passado.
Cinco moças de fino trato. Algumas mais abonadas, outras, menos. Nasceram e cresceram em bons bairros em casas confortáveis da cidade de porte médio. Sem se importar com o futuro, o que é próprio dos que não têm que catar e contar cada centavo.
Estudaram no mesmo afamado colégio, com professores de muita classe, especialistas em ver o mundo através da comunhão da arte com o intelecto. Bela formação, portanto.
De lá para cá, amizade intocável entre elas. Pelo menos, até hoje. Raridade, em nossa sociedade de superficialidade e valores tortos. Nenhuma fala mal da outra, por mais defeitos que tenham. Ou melhor, nem os percebem ou fingem não perceber, para não macular o entendimento recíproco. Às vezes, até curtem.
No colégio, formavam um grupo tão coeso que fazia xô! para os demais.
- Aqui, não, garota! Este lugar é de Ma-ri-lia. Guardei até agora.
Os professores percebiam e aquiesciam. Até deixavam livre a penúltima fila, para que as garotas se aboletassem à vontade. Estudiosas? Talvez pouco. Mas a vivacidade e o compartilhar de tudo, inclusive de conhecimentos, compensavam a preguiça de uma ou outra. Não porque colassem desbragadamente. Apenas uma palavrinha sussurrada aqui, outra, ali. Não precisavam de muito estudo, cabeças privilegiadas de verdade. Uma passada de olhos e eis pronta a lição.
Na folga da escola, entre quatro paredes, shows de arrebatar Hollywood. Ou, pelo menos, as mães e os tios mais avançados. Nada de papais: naquela época, os homens não davam muita bola para as filhas. Um tio postiço da mais sapeca ajudava a maquinar e efetivar loucuras de todas. O moço, bem mais velho do que elas, rejuvenescia, tornava-se da mesma idade, bolava letras sempre pornográficas, em estilo chanchada requintada. Palavrões e críticas exacerbadas por todo lado.
Riam-se muito com o resultado das elucubrações de tio, sobrinha e amigas, em palco improvisado no salão do apartamento maior. Roupas imitadas às coristas de musicais, tiradas do armário de uma das mães, apareciam aos montes. Improvisavam saias curtas e longas, shorts e calças pantalonas ou do tipo odalisca que, junto com as blusas de ombro caído ou apenas de sutiãs, mais echarpes longas e saltos altos: estavam prontas para a dança à la Lisa Minelli ou Ginger Rogers.
A letra das canções de musicais famosos da Broadway se modificavam em português chulo, para encaixar as rimas da pornografia. O ai, meu Deus de espanto de uma das espectadoras, uma parenta de repente convidada, valia mais que as gargalhadas costumeiras dos programas televisivos ou mesmo das comédias usuais. Chocar era preciso.
Seriam hippies, se tivessem idade à época e morassem nos States. Certamente, escolheriam acampamentos exclusivos, com entrada proibida aos idiotas.
Depois, casamentos, gravidez, separações, doenças, lonjura uma da outra. E a amizade intacta. E o desejo aceso de se encontrar em pequenas reuniões, de preferência, sem maridos. Não esmoreciam. Sempre se dá um jeito para o encontro de belos espíritos.
Lembro-me do dia em que se encontraram num pequeno e requintado restaurante do Rio de Janeiro, nos primeiros dias do mês, como habitual. Então com quarenta anos ou mais, usavam um pouco de maquiagem, para disfarçar incipientes pés de galinha, vestidos e saias de joelho de fora ou calças compridas de ver as curvas, blusinhas de talhe diferente, coladas ou não aos corpos, sapatos da moda; cabelos longos escovados ou encrespados, riso franco em ar de permanente excitação, chamavam a atenção dos freqüentadores homens e, por que não dizer, mulheres. Graciosas, sem dúvida. Do canto de uma das mesas, o rapaz charmoso ousou olhar demais para uma delas. Imediatamente, as demais protestaram:
- Você não vai querer estragar a noite com esse cara brega, né mesmo? Vai logo dando o fora nele!
E assim descartavam um possível namorado, quiçá um marido para as descasadas. Que importa! Eram muito mais interessantes os vinhos e risos frouxos do que ficar de papo com um desconhecido, que podia ser um bobão total. Nada como uma noitada só delas!
No dia em que completaram cinqüenta anos, a festa foi num clube grande. Convidaram pais ainda vivos, maridos, amantes, demais amigas menos íntimas, para a celebração mais que grandiosa porque de uma vida em comum.
A decoração do salão com bolas de soprar coloridas, amarradas em bandos ou expostas em guirlandas, lhes lembrava a criancice eterna. Embora a orquestra se esmerasse em rocks do tempo do Mick Jagger ou em canções eternas do cancioneiro meloso norte-americano. No centro da grande mesa ao fundo, um bolo bastante taludo, para suportar inúmeras bocas alcoolizadas, ávidas de doce. E o vinho, muito vinho tinto e branco estonteava a vida para melhor.
À meia-noite, interrompidas as danças com ou sem par, o estalar das bolas e o Parabéns pra você mais caloroso que os ouvidos haviam sofrido – sofrido, sim, porque aos berros e bem desafinado.
De repente, saída aos pulos do meio das moças aniversariantes, a espevitada mor pega um pedação de bolo e o lança bem no rosto da amiga mais próxima. Esta repete o desvario com outra, que o repete com mais uma, numa cadeia de cinco frenéticas. Não paravam de se divertir com boladas, em splash de bolo esfarelado e glacê branca.
Um após outro, os convidados se retiraram. Sem despedida, espantados com a cena inusitada de comédia dos Três Patetas ou outros filmes pseudo-engraçados de hoje. Maridos mudos abandonavam as respectivas, alguns pensando em broncas em casa. Pais, mães, amigas lamentavam o comportamento que jamais lhes fora ensinado, meninas de colégio particular caro e bons modos cultivados na família.
E elas, ao contrário, felizes da vida, comentavam aos berros:
- Graças a Deus, foram todos embora. Gente careta não dá. Vamos nos lamber e nos deliciar até o amanhecer. Viva nós!
Hoje é dia de jantar das cinco. Parece que as vejo. Escolheram o restaurante mais vazio da Barra da Tijuca, para não serem interrompidas por Dá licença, a toda hora, e para maior liberdade. Vêm as do outro lado da Bahia de Guanabara e as do Rio de Janeiro. Largam trabalho, marido, filhos, para o grande encontro mensal. Secadores em punho trabalham os cabelos fartos, sem preocupação com a menopausa, que não demora a chegar. Roupas e sapatos de bossa ajustam-se aos corpos das endiabradas. Gordinhas, esbeltas e magrelas a postos, na melhor fashion exclusiva. Estômagos roncam, mas nem bolachinha ingerem, para não atrapalhar a expectativa gustativa. Água gelada e olhe lá, até o primeiro manjar e gole de vinho, tudo recomendado pela amiga especialista em pratos de mestre.
A postos, assentam-se em torno da mesa redonda, arrumada para festejo solene. Beijos distribuídos entre risadas, pedem a primeira garrafa de vinho tinto português, em homenagem ao avô de uma delas. Tudo comme il faut.
A luz do restaurante é um tanto fraca, como convém aos clientes de meia-idade ou quase. Recusando-se a colocar óculos de grau, a mais vaidosa entre vaidosas não enxerga bem o nome do vinho. Pede ao garçom que lhe dê um foco maior de luz. O moço prontamente obedece. De repente, um grito de horror:
- Minha nossa, um fio de cabelo branco do MEU cabelo acaba de cair no meu prato. Vou pra casa chorar. Acabou-se a festa!!!!!!
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sexta-feira, 10 de outubro de 2008

foto do lançamento

Aí vai uma das fotos do lançamento de meu livro. Estou séria, é claro, porque a ocasião era de muito suor e exigia seriedade. Mentira, minha gente, brinquei, sorri e ri pra valer. Estava feliz.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Lançamento de Habitantes de mim, de minha autoria

Consegui. Ufa! Que alegria! Apesar de amar o virtual do computador, preciso de letras no papel para curtir melhor. A MEMVAVMEM, editora que vem de Manaus, editou meu livro de contos e crônicas, no mesmo estilo do primeiro. Ficou muito bonito, com capa de paisagem do Rio vista de Niterói - minha duas terras queridas. Tudo >comme il faut. Assim que puder, mando fotos. É claro que vou escolher bem, pois na famigerada Terceira Idade há que se ter cautela. Agora, é torcer para que vá ao lançamento muita gente amiga e para que o livro venda lá e depois. Afinal, quem não gosta de uma famazinha?
Maria

sábado, 30 de agosto de 2008

Dia, mais um dia

Dia, mais um dia

Acordo melancólica. Uma pitada de angústia me incomoda. Espreguiço. - Quê que é isso, meu Deus?! Desfilo indagações de auto-análise fajuta. É a filha que saiu ontem sem me dar um único beijo? É o filho que não me telefonou ontem à noite? É o marido que não para de trabalhar?
Acho que não dá resultado esmiuçar razões logo de manhã, ainda esforçando-me para abrir os olhos..
Voz forte de homem chamando : - Já são oito e meia. Tá na hora.
Hora de quê, afinal? E tome de novas considerações. Hora de iniciar o quotidiano medíocre dos aposentados: levantar, mudar de roupa, dar ordens à empregada, ver o que falta e o que enguiçou na casa...?
Dou um bom-dia enviesado aos da sala e da cozinha, olhos ardidos pelos restos de sono. Nó na garganta, por que?
Não sou de acordar muito tarde, mas gosto de dormir até à hora que bem cismo, uma vez aposentada, sem horário rígido para as tarefas do dia. Acho que é a única coisa que vale a aposentadoria. E “a hora que bem cismo” não a deixam chegar. Por que? Será que amanheço digna de se ver, bonita como os passarinhos que ainda chilreiam em meu bairro, em destemor do trânsito?
Nem passa pela cabeça do homem absorto a possibilidade de desejo de ter minha companhia na sala. Parece longínqua a memória dos primeiros encontros. Conseguiram tirar-me a veia de donzela romântica. Marília, Annabel-Lee, Ofélia, Julieta e quantas mais, enterradas por mim, sem poema
Vou ao banheiro. Constato no espelho defeitos suspeitados: cara meio inchada, meio murcha, olheiras escuras embaixo de olhos que, por sua vez, esquecem-se de se amendoar, como na juventude.
– Por que adiar mais a plástica indispensável, covarde criatura?!
O cabelo me irrita: fino, mal educado, despenteado, sem propósito algum, pede revigoramento e tintura mais uma vez.
O corpo... Bem, até que não está mal para uma velhota da minha estigmatizada faixa etária. Fruto invejado de ginástica a vida toda. Iniciada desde os dezoito anos, perseguida em todas as formas: malhação com peso, movimentos de alongamento e torções, ginástica-dança ou o contrário, hidro...
- Também, minha filha, com isso tudo, até eu – dizem-me as preguiçosas.
Ainda noto indícios de cintura marcada, ombros quase retos, um quase nada de corcunda, barriga decente porque pequena, bunda sustentada..
Mas, e adeus com a mão?! Será que posso dá-lo à vontade, sem carne frouxa interna a balançar nos braços? E as coxas? Sempre grossas e celulitosas, estarão em forma para a bermuda de linho branco, que me aguçou o desejo na vitrine? Só se for bermudão largo e comprido. De preferência, preto. Não ouso mais. Nada de joelho imperfeito à mostra.
Na sala, óculos a postos, os eternos jornais. Notícias da TV de ontem, esmiuçadas sem grandes cuidados, uma ou outra matéria, rápidos artigos transbordantes dos mesmos comentários de sempre e alguma crônica legal. Pronto. Estão lidos. Posso descer e dedicar-me à piscina – única tarefa obrigatória do dia.
Com delicadeza de massagista embusteiro, passo bloqueador solar número 30, recém receitado por nova dermatologista.
- Põe bastante. Sem pena de gastar. Se pouco, não faz efeito -, diz ela.
Eu obedeço. Fartas porções espalhadas meia-hora antes de descer. Devia ser uma hora contada, segundo regras mais rígidas. Mas a impaciência de sair e arejar é muita.
Na piscina, a festa das crianças e o meu alívio. Se não fosse projeto social da TV Globo, diria criança-esperança, pura verdade. A filha da vizinha, de dois anos, cai nos meus braços úmidos e me sorri. Aceito e babo. Vejo avós cuidando de netos mais velhos. Taí uma ótima ocupação. Por que não tenho netos, Senhor?
Planos de trabalho ponteiam meu banho-inspiração, entre um e outro contar de braçadas e pernadas. Quero escrever um romance. Escritora que se preza escreve, pelo menos, contos longos, novelas e, quiçá, um romance. Eu, até hoje, limito-me a três páginas. Quatro, lá por uma extravagância. São apelidadas de crônicas e só. Só!? Gente, e Raquel de Queiroz, e Rubem Braga, e Antonio Maria, e Stanislaw Ponte Preta... não foram excelentes cronistas?
Insisto no romance. Dizem que as editoras publicam mais depressa. Logo que engulo meu almoço hipocalórico, desço para a livraria mais a mão. De fato. Há fartura de romances. A grande maioria, tradução do inglês. Um ou outro, de nacionalidades da moda: árabe, africano...Best-sellers aos montes, e recomendados.
Entro e procuro o novo. Traduções, sempre traduções: o que vem de países ricos ou esdrúxulos será melhor do que o genuíno nosso? Fico fula. Além do mais, o preço dos livros não apraz a meu bolso.
Tomo um cafezinho nos fundos da loja, olhos e ouvidos atentos aos freqüentadores. Ninguém compra nada. Nem revista literária. Batem papo ou lêem seu jornal de hábito: Segundo Caderno.
Alguns jovens discutem, em redor da mesa, o tema da aula da faculdade. Parece filosofia. Quem me dera meus tempos de universidade tivessem um café!
Volto ao lar nada doce porque, solitário. Guarda uma aposentada professora, agora escritora. Passo o dia a bolar escritos, idéias amontoadas na cabeça. Releio os textos de dias atrás, respondo os e-mails mais interessantes, não os pornográficos ou de auto-ajuda. Leio textos no computador, um ou outro poema ou trecho de autor de respeito em papel. Descubro que há gente com desprezo ao uso de citações. Fico desanimada, pois sempre gostei delas e as coleciono em meus cadernos de anotações. Além de usá-las em todos os muitos cartões de aniversário, de Natal, de casamento.
O telefone toca e me faz mal. Se não toca, fico pior. Um dia, mais um dia, até o marido chegar.
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Maia Lindgren

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Palavras guias

Do livro de Clarice Lispector Um sopro de vida
.Escrever é uma pedra lançada num poço fundo.
.Para escrever tenho que me colocar no vazio.
.Escrever é uma indagação.
.Escrevo muito simples e muito nu.
.Escrevo para nada e para ninguém.
.Escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.
.Escrevo para aprender.
.Escrever é coisa sagrada onde os infiéis não têm entrada.

Tento comentar o que penso das frases quando aplicadas, desculpem a imodétia, a mim.
Minha escrita não é "uma pedra num poço fundo", sobretudo, porque existe a internet, para minha satisfação, e eu insisto em publicar lá quase todas as letras. Só assim, alimento-me de esperança, incentivo-me a mim própria. Benditos Sites, Blogues e Páginas que me acolhem e divulgam, amém.
O " vazio" de Clarice é um blefe, uma mentira. É entupido de idéias. Já o meu...
Não deixa de ser "uma indagação" porque o que escrevo nunca é resposta perfeita para tantas ansiedades percebidas.
Minha palavra é "simples e nua", sim, mas é claro que não contém o que configura a escritora Clarice Lispector e nem tenho a pretensão de ter um conteúdo similar: Clarice é uma filósofa. Limito-me ao que sou: uma simples escrivinhadora de idéias e situações assimiladas no dia-a-dia.
Escrevo por vontade própria; ninguém me obriga. Para mim mesma. Portanto, o "ninguém" de Clarice sou eu, antes de tudo.
Certamente, às vezes, quero " me livrar da carga de ser eu mesma", como todo ser humano soi-disant normal. Confesso que há ocasiões em que gosto do que sou. Se é que sei muito sobre o que me faz ser.
Minha escrita leva ao aprendizado de mim mesma, por certo. E de tantas outras coisas do mundo, procuradas ou encontradas por acaso, que fica dificil selecionar o que vou traduzir em palavras não plagiadas: difícil é ser original, depois de ler tanta gente.
Não acho meu escrever tão sagrado assim. Aceito palpites de pessoas que respeito, ainda que com relutância. Afinal, minha gente, modéstia demais não leva a nada.

sábado, 21 de junho de 2008

Soy loca por ti America

Pode ser pieguice, estupidez, sei lá. Mas me comovo com a América Latina e, o que é pior, com a Espanha que a explorou e lesou de todo o jeito. Levei anos estudando inglês, e vou perdendo o modo de falar - até porque estudei na Cultura inglesa - de tanto ouvir americano falar nos filmes e programas de TV. Sempre fomos aculturados, é verdade, mas agora, extrapolamos. De longe, de dentro de meu baheiro, no meio das operações mais difíceis, ouço a americanada na TV. Fico desesperada. Corro. assim que posso, pro escritório-síntese de meus afazeres e lazeres domésticos - apartamento pequeno é como casa de pobre: junta tudo num só cômodo - , e mudo para um filmeco qualquer argentino, mexicano, qué se yo. Alívio imediato. Acabam-se os fucking..., os shitt, os mother sucker... Posso me regalar com Vale, coño e, sobretudo, com mi amor, muito mais expressivo do que I love you barateado de mãe pra filho, de filho pra pai, de mulher pra mulher, de homem, pra mulher...
Sorrio e relaxo. Pertenço inevitavelmente a este grupo mesclado, mal desenvolvido de acordo com a globalização, mas terno no falar. ~Morena, minha cor não tem nada a ver com brancos lavados em água sanitária; mimha língua é suave, ainda que dizendo pqp e otraa palabrotas menos aconselháveis. Com exceção, é claro, para porra, que considero rude , grosso, áspero.Declaro, pois, que vou aproveitar no blog tudo o que escrever em espanhol, viram? Sem vislumbre de vergonha pelo Chaves, pelo Evo Morales, pela Cristina Kichner, que tentam derrubar de qualquer maneira.Danem-se os ingleses, portadores da moeda mais valorizada do mundo. Deles, fico com os antigos poetas e escritores, que tanto prazer me deram.Enquanto isso, vou me deliciando e enriquecendo com Borges, o que já é demais para uma pobre baronesa luso-sueca-brasileira.
Maria Lindgren

sábado, 31 de maio de 2008

Esas mujeres sufridas

Esas mujeres sufridas (Historia verdadera)

Mientras veo salir la copia del artículo publicado en un periódico brasileño sobre la opresión de algunas mujeres inmigrantes, en un país de Europa, me acuerdo de la historia de Ana, la chica de la limpieza de mi apartamento.
Una chica discreta, de esas que casi no hablan y, cuando lo hacen, jamás nos traen sus propios problemas. Joven y recatada. No como las compañeras, que se ponen blusas con escote nada discreto, tacones bien altos, a las cinco de la tarde, la hora de dejar el trabajo para irse a la casa.
No las critico, pero me parece rara tanta vanidad, pues vuelven a sus pobres casas en autobús sin comodidad ni elegancia. Además no tienen sueldos para consumir futilidades. Descubro, entonces, que í, que se pueden comprar, en algunas "favelas" de Rio de Janeiro, en las tiendas de un comercio ecléctico, imitaciones de las marcas conocidas, casi como en China Town o Little Italy, en Nueva York.
Ana tiene otra cabeza. No sé si por tener una familia de mayor educación formal, a punto de darle un nombre sencillo. Nada que ver con los exóticos nombres habituales en nuestra clase popular, mezcla del padre y de la madre, como Silvan (Silvio y Vânia), Rosenilda (Rosemeri y Nildo), imitación del inglés, como el propio Rosemeri, o junción de dos nombres en un solo, como Ericnilsson. Si a los papás les gusta el sonido, corren a registrarlo en la notaría que, a su vez, puede distorsionarlo un poco más.
Para que la madre trabaje en jornada completa de ocho horas, los dos hijos de Ana, un niño de dos años y poco y una niña de cinco, se quedan con la tía, hermana de la madre, hasta las siete u ocho de la noche.
Después, hay otros quehaceres esperando a las mujeres brasileñas de poco dinero: cocinar frijoles y arroz, arreglar el café con pan de la noche, planchar la ropa seca, lavar la sucia, limpiar el baño, servir al marido y a los hijos, mientras los hombres se exaltan con el fútbol en la TV. ¡Por que, cueste lo que cueste! tenemos la televisión!
Un día de la semana pasada, el portero del edificio me avisa por el teléfono interno: la chica tiene problemas, no puede hacer la limpieza. Inmediatamente, bajo al portal y hablo con el administrador.
- ¿Qué pasa? ¿Ana está enferma? ¿Puedo ayudar en algo?
- No, señora. Ella está muy magullada. El marido le dio una paliza y tanto.
- Pero, ¿por qué?
- Bebe mucho. El domingo, invitó a un amigo al almuerzo y, por supuesto, a beber unas cervezas. De repente, al hombre se le metió en la cabeza que su mujer sonreía demasiado al visitante. El muchacho no era ningún seductor, pero tiene solo veinte años...
- Ana es una muchacha decente. ¡Qué absurdo!
Casi no escuchaba los susurros del administrador, tapándose la boca con la mano derecha, lo que me dejaba un cierto malestar, lo confieso. Hay una ética implícita entre empleados y patrones de mi edificio, por más liberales y modernos que seamos: un muro de respeto. Así que no me gusta ser la confidente de las aventuras y desventuras de esos empleados, sobretodo, en asunto de tal privacidad, a la vista de otras personas. Me gustaría saber de la chica, con mucha discreción.
Al día siguiente, la chica aparece con evidencias del incidente: uno u otro magullado en la frente, cerca del
ojo derecho, varias moratones, un hombro roto, el brazo derecho en cabestrillo. Imposible trabajar en condiciones tan difíciles. Le pregunté indignada:
- ¿Qué porquería de marido es ese? ¡Ese hombre está loco! ¿Qué vas a hacer ahora?
- No sé. Mi marido no quiere salir de casa y me ha dejado en la calle con los niños. Estoy desesperada.
Dos días más sin verla. Al tercer día, finalmente, llega a mi apartamento, sin decir palabra, como de costumbre. Veo una expresión más tranquila en el rostro:
- ¿Entonces, como estás? ¿Y tus hijos, los pobres? ¿Fuiste a la policía?
- Bien, señora. Tan pronto salí del doctor que me examinó las contusiones, una vecina me ofreció su casa para dormir cuantos días fuesen necesarios, hasta que la situación se calmase. Pasamos la noche en su casa y, por la mañana, yo pensé: “Ya sé lo que voy a hacer. Voy a hablar con el jefe del tráfico de drogas; mejor, mucho mejor que la policía"
El jefe-mayor del trafico de drogas, en nuestras "favelas", es el "protector" de los habitantes, por tradición. Pero no admite escándalos Hace justicia de acuerdo con sus principios, protege a quien se lo pide, desde que sea en voz baja. Tiene a los habitantes en sus manos.
Uno de los obreros de mi casa, tenía el hábito de discutir con la mujer a gritos. El jefe se acercó al hombre.
-¡Si sigues así, tendrás lo que mereces! ¡No quiero saber de policía acá!
Meses después, el obrero se borró de nuestras vistas, para siempre.
El bandido del caso Ana, un joven, como son casi todos los del narcotráfico, inmediatamente agarró un revolver y acompañó a la chica, diciendo al marido furioso, con voz de comando, que dejase a la mujer en paz, que ella volvería a la casa con los niños aquel mismo día, y él tenía que salir. ¡Y qué no se atreviese a protestar!
Desde entonces, Ana está tan contenta que canturrea, mientras limpia mi habitación Creo que se va olvidando del problema y del marido. Cuando le pregunto por futuros compañeros, Ana baja la cabeza y afirma:
- No, señora. ¡Compañero, nunca más! Los hombres son todos iguales. Estoy harta de sufrir. Soy libre ahora.
- Ana, cuidado para que no te enamores del jefe o de uno de los bandidos. Es una maldición. Sé de casos y casos terribles.
- No, señora. Tengo mucho cuidado con mis hijos. ¡No quiero saber de hombres!
La verdad es que, desgraciadamente, todo se soluciona más rápido con los bandidos, pero no puedo olvidarme de lo que los traficantes hicieron con la hija de una criada de mi familia. Una chica también discreta y afiliada a una iglesia evangélica. Se enamoró de uno, de cerca de su casa, que le regalaba cosas preciosas, la cercaba de cariño. Un caballero raro.
Un cierto día, la chica lo esperó hasta muy tarde y él, nada. Preguntó por él a todas las amigas. Se callaron, menos una, que no sabía ocultarle nada. El "novio" tenía otra amante, de quince años, no más.
La joven despreciada decidió subir a la casa del bandido, por primera vez., lo que era prohibido. Fue la última. Como una bestia enfurecida, el muchacho avanzó sobre ella. Atándole los brazos y las piernas, la cargó en las costas hasta el punto más alto de la loma, y la quemó viva, ayudado por otros compañeros. La pobre madre recogió las cenizas y se mantuvo en silencio, así como el padre y las hermanas. ¡Cállate, boca! ¡Ciega, sorda y muda, sí señor!
“Ana, querida, los bandidos son plagas. Hay que vacunarse a tiempo y mantener la distancia. Y cuando, por mala suerte, los encuentres, no les de razones de quejas. La quejas pueden venir con plomo Huye de los ojos tiernos. Si alguno de ellos te miran con cariño, seguro que sigue tormenta. No los mires de vuelta ¡vale!”
Maria Lindgren

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terça-feira, 27 de maio de 2008

Que saudade

Que saudade
a Manuel Puig
- Quem será o morador tão discreto do quarto andar? Gente de televisão, como a moradora de antes?-, pensava em voz alta a mulher.
Faltava ao homem o apreço à exibição, demandada pelo ofício televisivo. O vizinho do apartamento em frente ao deles raramente se deixava ver. A cabeça do casal se ocupava em curiosidade bisbilhoteira. Por outro lado, comum mortal não se esconderia tanto, o silêncio reinando absoluto no seu ambiente. Nenhuma fala em diapasão mais alto. Nenhuma festa escandalosa. Como as que costumam alucinar a vizinhança, impedindo o sono e as conversas íntimas. Som desmesurado a invadir os prédios, até pelas frestas das janelas, fechadas com mau-humor.
Tinha que ser um homem especial. Só era avistado eventualmente à noitinha, quando saía a pé pela rua, em sua vestimenta simples: calça, camisa e sandálias de couro. Ou de manhã, ao seguir o caminho da praia, barraca segura em abraço apertado, bermuda, camiseta, óculos escuros e sandálias havaianas.
Pobre não seria. Morava no melhor apartamento do prédio: uma cobertura duplex encantadora. Apesar dos quatro andares, de botar os bofes pela boca, a subir sem elevador, e mais uma escada interna, para exaurir de vez os músculos, em ginástica forçada.
Um dia, o mistério acabou. – Gente, é um grande escritor argentino, diz a vizinha. - - Ele ocupa o duplex do último andar.
Uma noite, o casal deliciava-se com um vinho italiano, enquanto ruminava, sem entusiasmo, uma pizza insossa, quando sentiu a janela do escritor se abrir. Não resistiu. Correram ambos, incontinente, à cozinha.
Lá estava ele. Debruçava-se, imóvel, sobre um jardim improvisado: uma espécie de varal, colocado da janela para fora, com plantas bem cuidadas. Não contendo a voz inoportuna, o marido ousou perguntar-lhe o que fazia tão pensativo à janela. Um forte acento espanhol, mesclado ao português, respondeu, num suspiro:
- Estoy esperando e desesperando!
Foi só. Nenhuma dica da pessoa esperada. Discrição respeitada pelo casal. Desse dia em diante, diálogo e encontro fáceis. Sobretudo, para a mulher que, professora de duas escolas, tinha intervalos de tempo entre uma escola e outra, e voltava à casa, antes de sair de novo.
Ao cair da tarde, tiro e queda: ela, estropiada e afônica de tantas aulas expositivas esgoeladas a alunos travessos, em época de pouco trabalho em grupo; ele, fiel a sua missão diária de visitar a mãe, moradora de um pequeno apartamento térreo, na mesma rua, logo adiante. Entre um “alô” e outro, o convite inesperado:
- Querés vir comigo à casa de mi madre? Vamos ver uns filmes antigos no vídeo. É uma pasión herdada de mi família.
Apaixonada, em grau similar, pelas velharias cinematográficas, ela, no entanto, titubeou. Tentada, não aceitou de imediato porque não havia chamado ou, ao menos, avisado, o marido, cinemaníaco igual. Coitado! Adorava filme antigo.
Na segunda vez, o Sim enfático. Marido esquecido. Pelo caminho, a conversa revelou um cidadão do mundo, um escritor de renome, no Brasil e alhures. Argentino de origem, amava o nosso país. Tinha vindo para ficar. Sobretudo, por causa da maldita crise da ditadura argentina, pior do que a brasileira. Lá, os militares pareciam mais ferozes e perseguiam os intelectuais de esquerda.
A mãe viera depois, devido a problemas familiares sérios, que não cabia esmiuçar. Ótimos oitenta anos, não perdia praia. Todas as manhãs, bem cedinho, dava uma nadada, enfrentava as ondas . Não queria enferrujar-se tão cedo.
A campainha soou e um rosto sereno, de cabelos grisalhos, em coque bem feito século XIX, emoldurou-se à portinhola do pequeno apartamento antigo. Um camafeu de verdade. A pobre moça pensou em seus próprios trajes e quase desistiu da visita, tamanha a vergonha do que vestia. Contraste total.
Mas em se tratando de uma dama e tanto, não importava. Ela a recepcionava, em sorriso acolhedor. Porte ereto de aristocrata, vestido de seda preta de mangas compridas e punhos abotoados por pequenas pérolas, comprimento de saia bem abaixo do joelho, decote em V, terminado em broche antigo de ouro e minúsculas pedras vermelhas, mal coberto por écharpe quase branca, de voile de seda pura. Meias finíssimas, da mesma cor da pele clara, e sapato preto fechado, de salto médio, completavam o manequim imponente, estranho ao ambiente à vontade, ou mesmo, esculhambado, dos cariocas da Zona Sul praiana do Rio de Janeiro.
Se era inverno ou verão, a senhora não suava, nem reclamava. Gente da alta. Uma lady diferente do filho, aclimatado ao jeitão informal do Rio, a não ser pela flagrante polidez de berço. Anfitrões e ambiente, um oásis, para uma professora recém-chegada do trabalho, impregnada da pouca beleza suburbana.
A moça foi conduzida à varandinha charmosa do apartamento. Sentaram-se as damas ao redor de mesinha redonda de vidro, em bonitas cadeiras de junco, de espaldar alto. O filho, bebida e petiscos vieram atrás. Nada menos do que licor requintado, daqueles de frade, em cálices de cristal finíssimo, água mineral em copos do mesmo padrão e biscoitos dos deuses.
Ambiente mágico. Sensações aguçadas, mentes e cores avivadas. A fantasia alimentava, sem esforço, as impressões da moça. A decoração da casa, de toque despretensioso na aparência, a postura da mãe e do filho, a conversa de sarau erudito contribuíam para o navegar por mundos idealizados. A simples idéia de estar ali, em meio ao requinte, tornava feliz a moça de criação modesta e pencas de sonhos irrealizados.
Num dos quartos, transformado em sala de minúsculo cinema de bolso, três caprichados aparelhos de televisão, cada qual com seus respectivos vídeos; cadeiras de braço em madeira e palhinha, arrumadas à moda de reduzida platéia. Não mais que três fileiras, de três cadeiras cada.
O filme da noite, um clássico do expressionismo alemão, uma obra-prima do cinema mudo. A convidada não conseguia concentrar-se no que a telinha lhe remetia, tal o deslumbramento com anfitriões e cenário.
Mundo onírico de sua juventude. E ninguém para a beliscar. Não despertaria, não fossem as vozes em indisfarçável sotaque castelhano, solicitanto-lhe, com respeito um tanto temeroso, a opinião sobre o filme. Claro que ela havia adorado, mesmo sem acompanha-lo direito.
Saiu, sonambulando pela rua, de braço dado com o novo parente de alma, adquirido por artimanha dos anjos. Despediram-se, comprometendo-se a repetir a dose, pelo menos, uma vez ao mês.
O casal mudou-se meses depois, para um apartamento mais distante do vizinho ilustre. Mesmo assim, continuaram os encontros da moça e do escritor, ao pôr-do-sol. Agora, mais esporádicos.
Irônico, em pseudo-indiscrição, o escritor lhe perguntara por que seu marido “carrasco” decidira aprisiona-la na torre tão alta de um castelo - a casa nova ficava no alto de uma ladeira íngreme. Ela entrou no jogo, respondeu com gracejos mentirosos, transformou o marido ciumento em guarda zeloso de penitenciária.
Uma tarde em que chegou mais cedo da escola, ouviu o interfone tocar e a voz terna, em português híbrido, a incitá-la:
- Princesa! Fuja de su castillo! Desça, princesa! Jogue as tranças, Rapunzel!
Riram muito, ela e o marido, dos epítetos. Ela confessou que não lhe caía nada mal tornar-se parte de uma corte, fosse a do marido, fosse a de um rei amigo. No fundo, preferia a princesa aprisionada e charmosa, à plebéia livre e desenxabida. Orgulhava-se..
Apesar da conversa fácil, o amigo e a moça nunca se permitiram contar intimidades. Destoavam do repertório, cada vez mais rico, dos colóquios. Foi assim à volta do amigo de viagem à Milão, onde estivera para lançamento de um de seus livros, em tradução italiana. A descrição, exagerada de detalhes, da cidade italiana requintadíííssima, riquíííssima, e dos freqüentadores sofisticados do coquetel, deixara a professora louca por aderir à comitiva do escritor, em uma próxima ocasião.
Na noite da estréia de uma peça, baseada em um dos livros do escritor mais em moda, outro extasiado momento. No instante em que ela e o marido apareceram à porta do teatro, o argentino brindou-a, lá do fundo do hall, com um “Princesa”, tão alto e bom som, que a transformou em celebridade de Festival de Cinema, olhos todos voltados para ela.
Num final de dia não mais cansativo do que os outros, uma certa gastura inexplicável. Pensou em suas costumeiras premonições. Sentiu receio de que algo ruim viesse a acontecer.
De fato, encontrou o amigo meio cabisbaixo. Faltava-lhe o rosto sorridente, o passo calmo e decidido das visitas à mãe. Antes que ela, inquieta, lhe perguntasse alguma coisa, esclareceu:
- Vamos mudar do Rio, Princesa. Fui assaltado ontem à noite. Por sorte, estou vivo. Tenho horror à violência. Estou apavorado de pensar em minha mãe, que mora sozinha. Não agüento!
- Ah! Meu Deus! Quando você parte?
- Semana que vem. Sem falta.
Enorme desapontamento. Como dispensar de sua vida o estrangeiro, compatriota por afinidade? Contava muitas pessoas amadas, perdidas pela vida. Mais esta?!
Pela primeira vez, os dois amigos, que jamais se haviam trocado toque mais íntimo, tentaram compensar a tristeza com um beijo na face e um abraço caloroso.
Os meses se passaram. Nada de notícia. O vácuo da ausência aguçava-se, a cada vez que a moça seguia pela rua do escritor ou passava pelo prédio da mãe.
Num encontro com a vizinha do apartamento ao lado daquele em que o escritor se escondia , as palavras que ela não queria ouvir:
- Sabe o nosso vizinho argentino? Morreu, coitado. Uma estupidez! Foi operar um cálculo de vesícula. Parecia coisa à-toa, mas pegou uma baita infecção no hospital e... foi-se.
A vida maldosa, sardônica, mais uma vez pregara-lhe uma peça sem sentido. O homem escapara do Rio violento para morrer, lá fora, de doença boba para os tempos modernos.
De novo, o sentimento de perda, ampliado mil vezes pela morte. Desnorteada, ela voltou ao ponto das tertúlias amistosas, agora irreais. Tentou visionar o amigo em seu retorno habitual da praia ou saindo em visita rotineira à mãe. Andou até o apartamento dos vídeos inesquecíveis. Tocou a campainha. Uma criança de seus sete anos abriu a porta. Sumira-se, na névoa da realidade, a senhora nobre. E junto com ela, a sutileza do amigo escritor, as sessões de cineminha privé, as emoções compartilhadas. Para sempre.
Em casa, desabou. Nunca mais Fritz Lang. Nunca mais Eisenstein. Nunca mais Princesa.
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Sessão Nostalgia traz recuerdos, muchos recuerdos. Dai...Manuel Puig

Poética de Geir Campos

POÉTICA

Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
—rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
— já!
todos soubessem o que haviam de fazer.


Obs: Geir Campos é capixaba, mas foi em Niterói, Icarai que o conheci.

Itaipu das serestas



Itaipu das serestas

Itaipu diante dos olhos, Santo Deus! Há quantos anos não piso naquela areia fina, não vejo casa de pescadores, nem me regalo com mar de água mansa?!
Por que a Praia de Itaipu ficou tão difícil de alcançar, se moro em cidade vizinha a Niterói? Que mania besta esta de virar carioca, achar Niterói tão longe, se o vice-versa ao acontece?! Tem gente de lá para cá todos os dias, desde o tempo da Barca da Cantareira.
A foto de um pedaço de Itaipu suscita a recordação de um dia de verão, como tantos outros, e meu irmão, eterno viajante, chegando de fora com secura de farra musical. Seu desejo não era de nenhum espetáculo de música clássica ou popular, de cantores superbadalados, que os havia em pencas no Rio de Janeiro. Corriam os anos de 1970 e as novidades musicais brasileiras, tantas e tamanhas, davam ganas de cantá-las, dentro e fora dos protestos políticos da ditadura.
O que meu irmão queria era se juntar conosco em melodias, ouvir seu violão e sua voz em uníssono com a turma antiga do Fonseca, com os amigos mais novos e alguns parentes de gosto similar, nas serestas de dois, três violões e vozes de tons diversos. Cada qual querendo furar a apresentação do outro, mas contendo-se por educação e, claro, por amizade pra dar e vender.
A turma tinha cantoras desde a imitação perfeita de Carmem Miranda por nossa prima, até a bossa-nova, passando pela velha bossa das cantoras do rádio, da televisão mais recente e... do fado português de Amália Rodrigues. Os cantores, em menor número, esforçavam-se para acompanhar a si próprios e às cantantes, em seus violões, praticados nas horas de folga do trabalho Uns auxiliavam os outros, passando-lhes harmonias desconhecidas, sem competição. Afinal, éramos todos diletantes. Dali não saiu um único profissional da música popular brasileira. Não porque fossemos pior que muitos, mas porque a vida não nos deu, a tempo, as dicas necessárias. Ou o destino não quis, sei lá.
Que lugar escolher para a cantoria? Com calor de quase quarenta graus, ficou acordado que uma praia oceânica seria ideal. Mas, que praia escolher entre Itaipu, Itacoatiara, Piratininga, Camboínhas, Itaipuassu....?
Turma reunida em minha casa, repassamos as características de cada praia, segundo nossa opinião, é claro. Não seguíamos história, nem moda. Sonhávamos sossego em volta, para que os violões e as vozes soassem alto, sem atrapalhar ninguém.
Itacoatiara, não: mar forte e bastante casas de veranistas ricos; Pirati - apelido carinhoso de Piratininga - melhor para bebericar, papear e comer peixe assado na brasa; Camboínhas, quase deserta na época, dava um pouco de medo de mergulhar e saía da definição de praia, de meu imão: - Praia, pra mim, é um lugar de mar e bar. Além do mais, ainda que não se ouvisse falar de assaltos e seqüestros, os carros de nossa gente eram bem precários, sujeitos a enguiços constantes. E posto de gasolina, cadê? Itaipuassu, nem se fala: longe demais, sem infra-estrutura também. Opção geral: Itaipu.
Motoristas e caronas a postos, lá fomos para Itaipu. Bela praia de pescadores, de areia fina, cheiro de peixe fresco, ruínas de construções antigas, sambaquis famosos!
Só havia um ou dois bares do lado esquerdo da praia, onde o mar não batia: acariciava. A sede de bebida e prazer musical batiam o desejo de comilança. Escolhemos rápido a mesa mais discreta, mais acolhedora às cantorias, pedimos cerveja e... pronto: os violões iniciaram a obedecer a dedos bem ágeis, na seresta vespertina, sem hora para acabar. Dois violões e meia dúzia de cantores afinados, fora esparsos espectadores sempre sorrindo, em aquiescência muda. Palmas ao final de cada canção, compeliam a mais, mais, mais...
O grupo, quase sempre o mesmo: meu irmão cantor e violeiro, meu acompanhante oficial, os primos tocadores, cantantes também, a prima sambista, o amigo engraçado, as amigas assanhadas, os velhos amigos de meu irmão dos tempos do Fonseca sem praia, e que-tais.
Copos de cerveja à mão, goles pequenos ou grandes, linguiça frita caprichada, eventuais queijos e farofa, uma ou outra caipirinha mais ousada.
De vez em quando, um de nós escapava para mergulho refrescante. Depois, outro, e outro nunca ao mesmo tempo, para não quebrar a corrente sonora e a inspiração.
Diante do pôr do sol vermelho, extasiados, calávamos uns minutos, para recomeçar em seguida. Levantávamos a contragosto para sair, ao chamado do dono do bar: - Vamos fechar, minha gente. Já é tarde. Amanhã tem mais.
O resto era voltar bem cansados, quase sem goela, com dedos machucados de tanto percorrer as cordas do vilão e ... - Que tal voltarmos amanhã?!

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Niterói ah Niterói

Niterói, Ah! Niterói
Revisitada pela memória, Niterói ia surgindo sob variados matizes. No melhor deles, ela nascera. Num local pouco povoado e muito acolhedor. Abria-se às pessoas como a um recém-chegado querido ou filho pródigo da Bíblia.
Havia carros, ônibus e casas, é verdade. Arranha-céus, não. E o bonde bamboleava-se devagarinho, sobre os trilhos brilhantes das vias principais. Correria, por quê?! Aglomerado sufocante de edifícios e veículos, nem pensar!
Na idade escolar, as árvores da Alameda São Boaventura, no Fonseca, onde ela morava, sombreavam-na, misericordiosas, no trajeto ensolarado diário: casa-colégio-casa. Principalmente, em dias de cólicas menstruais da pré-adolescência.
A ponte sobre o canal, logo perto do colégio, era convite irrecusável aos meninos do Colégio Brasil, em fuga matreira de uma ou outra aula, a sentarem-se, mesmo que mal equilibrados, em gostosa paquera das garotas do Colégio Nossa Senhora das Mercês.
O bairro residencial abrigava empresários, comerciantes, imigrantes ricos da Colônia Portuguesa, mansões claramente imitadas às Quintas lusitanas de além-mar. Aos moradores mais modestos, cabiam casas confortáveis, de estilo indefinido. Como a do seu pai.
De pobre mesmo, só os serviçais domésticos. Ou, pelo menos, não se mostravam despudorados, afrontando a classe média, como hoje, enchendo-a de sentimentos de culpa jamais resolvidos. Eram humildes e tímidos. Advinham, em geral, do interior do estado, na esperança de escapar às agruras da vida rude da roça.
Em flagrante domínio à paisagem, logo à entrada do bairro, a Igreja de São Lourenço. Imponente e bem cuidada, às custas de óbulos fartos dos católicos de muita fé, exibia portas escancaradas. Sem medo ou discriminação. Diferia e muito das igrejas do Rio de Janeiro da atualidade, com semi-abertas portas laterais, meio-fechamento envergonhado ou fechadura de cadeado descarado, na porta principal, parecendo cercear o direito dos católicos de viver sua crença às claras. Contaminação do medo à violência, do qual nem o Senhor consegue escapar.
Num dos aposentos das recordações, ela se via menina-anjo, em vestes brancas acetinadas, com asas de penas tiradas às aves e tudo. Coroava a cabeça da imagem de Nossa Senhora ou de Jesus Cristo, compenetrada de seu papel, fiéis contritos ajoelhados a seus pés, bem do alto do altar-mor da Igreja de São Lourenço. Ave,ave, Maria; Christus vixit Cristus regnat...
No matiz mais forte dos doze ou treze anos, o passeio de fins de semana, na calçada da igreja. Prazeres deliciosamente pecaminosos. Garotas marotas saracoteando rente ao muro, risadinhas de malícia e dengo; rapazes quase meninos, em toda a extensão da calçada, tomando coragem para o abordar final, quase sempre abortado. De vez em quando, um entrecruzar de olhares eloqüentes, um sorrir de promessa pagã, raramente cumprida.
“ Engraçado!- ela pensou - Na parte de trás do muro da igreja os namoros mais avançados cobriam-se de beijos, abraços e carícias, nunca imaginados pelos puritanos. Ninguém perturbava os jovens casais. Nem os padres, nem as carolas, nem os nossos pais tão durões.”
A mãe dela, carioca convicta, não se conformava com a moradia no bairro de comércio rudimentar e poucos atrativos. Lutava para sair "do buraco" em que o marido a enfiara. Sonhava, pelo menos, a Praia de Icarai. Queria, a todo custo, recuperar o Rio de Janeiro de sua mocidade divertida. Nem que fosse através da bela paisagem avistada da orla marítima.
- Vivo encafuada nesse Fonseca. Em Niterói, minha filha, só se salva mesmo a vista do Rio –, resmungava, em flagrante desdém. - Por isso é que eu quero morar em Icaraí. Pelo menos, mato, de longe, as saudades da minha terra.
Ignorante do Rio de Janeiro modificado pelos tempos modernos, a mãe suspirava fundo, olhos úmidos, contaminando a filha. Imbuída da busca do paraíso praiano, a adolescente tratou de arrumar namorado do bairro aspirado. Passou borracha nos moços do Fonseca. Reservou-se para os queimados de sol das areias encantadas.
Teve sorte. Casou-se com um rapaz de boa família e morador de rua bem na praia. E em cerimônia religiosa. Pompa e circunstância, na igreja da moda. O máximo! A notícia, com foto e comentários elogiosos, na coluna social do melhor jornal da cidade.
O casal se juntou, no auge do amor, num apartamento de cômodos pequenos, sala e dois quartos, no último andar de um edifício pequeno. Não tinha elevador, não ficava exatamente na praia. Servia, porém, ao casal recém-casado e apaixonado. No verde aprazível do Campo de São Bento, deram início à nova família. Nascera a filha.
Muito mais tarde, com mais um filho, no apartamento de quatro quartos espaçosos, no último andar de um edifício elegante, na praia, com playground, elevador e sol ardente... separaram-se.
A cidade, de matizes cinzentos, abandonada e fedorenta, afinava-se ao tom melancólico da moça sem parceiro, com dois filhos a criar.
Cada vez que se forçava a espairecer a cabeça estonteada e saía de casa a passeio, a moça era obrigada a utilizar seus dotes acrobáticos e pular por cima de esgotos de água imunda, explodido dos bueiros, estagnada junto ao meio-fio das calçadas. Um tour de force atravessar as ruas de um dos bairros mais finos de Niterói!
Não era somente sujeira e fedor. Nas vias de acesso mais importantes, crateras no asfalto nunca renovado. Em todos os lares, a presença, sem nostalgia, de lampião a gás ou querosene, denunciando o colapso freqüente da energia elétrica. Em pleno verão de corpos melados de suor, cadê a bendita água? Banho tapeado de balde. Século XIX.
Apesar disso, Niterói se expandia em moradores e lojas comerciais. A cidade fazia por acompanhar a modernização. Enchia-se de grandes e confortáveis edificações.
A infra-estrutura da cidade é que não casava com o boom visível. Nem facilitava à moça o casar-se de novo. Arrumar segundo marido na Niterói dos anos 70, tarefa árdua, quase impossível.
Somente as amizades a prendiam à terra fluminense, em nó a cada dia mais frouxo. Transbordando alma e coração, os amigos e amigas não mediam esforços para suprir-lhe as carências. Amparavam-lhe as tonteiras da dor, distraíam-lhe os filhos sem pai, mitigavam-lhe o sofrer do fim de uma união, antes eternizada pela benção religiosa e paterna.
- Pensa bem no que fizeste, filha. Casar é para sempre!-, afirmava-lhe o pai, temeroso da possibilidade de um novo enlace.
Ecoando pelo vácuo da casa sem homem, a frase surtiu efeito: empurrou-a para o Rio de Janeiro, tão logo arrumou comprador para o apartamento. Cidade nova, sorte nova.
Desapontamento. A gente carioca, afamada pela simpatia, decantada pelos prolíferos elogios maternos, não se lhe apresentara com um “muito prazer” amigável. Não eram poucas as chacotas a respeito de sua cidade de origem, desrespeitada e desprezada pelos moradores esnobes do Rio de Janeiro.
- Terra onde urubu voa de costas, dizia Stanislau Ponte-Preta, cronista famoso do Rio. - Cidade-Sorriso Desdentado - exclamavam conhecidos maldosos e metidos à besta.
Depois, vieram os amigos cariocas ou acariocados, por serem de outros Estados. Costurou-os a ponto fino, com obsessão de bordadeira. Foi se tornando, sem o perceber, uma carioca quase autêntica. Aos poucos, perdia Niterói. Atravessar a Baía de Guanabara, de lancha ou pela Ponte, ontem uma tarefa rotineira, que sacrifício!
É verdade que as parcas posses não lhe permitiam o conforto de um carro. Morava em Copacabana, após o divórcio. Seria obrigada a usar ônibus ou carona de automóvel, pela Ponte Rio-Niterói, uma vez que, péssima nadadora, só então de deu conta da possibilidade de naufrágios das lanchas, que faziam a travessia dos passageiros na Baía de Guanabara.
Passados mais de vinte anos sem viver Niterói, convite irrecusável de primos da terra chegou-lhe de surpresa. Decidiu-se por vencer a preguiça e a covardia. Aceitou. Aprontou-se cuidadosamente para a visita, corpo e coração em tremedeira e batimentos incontroláveis. Desde o caminho da Ponte, no carro dos primos gentis.
Logo à entrada da cidade, estranhamento! O carro deslizava em ruas bem pavimentadas, o branco da pintura fresca realçando-lhes os contornos. Setas bem visíveis evitavam erros de direção. Sinais de trânsito, comandados por maestro invisível e coordenado, abriam-se e fechavam-se, em compasso bem controlado.
Os anfitriões, no afã de mostrar à prima a profilaxia da Cidade-Sorriso, de dentes bem obturados, escolheram, zelosos, o caminho a tomar: um tour pelo Centro da cidade, em direção à Praia das Flechas; depois, à Praia de Icaraí, nosso destino final.
Atraentes matizes renovados. O velho teatro, outrora jogado às traças, restaurado e engalanado, anunciava balés, performances musicais e teatrais. Demonstração inequívoca de apreço pela cultura. A rua principal alargara-se em beira-mar esmerado. O ex-Palácio do Ingá, bem trajado, compatibilizara-se com sua nobre função de patrimônio histórico-cultural. E todo o Centro mudara para melhor. Até mesmo a Ponte das Barcas, como se chamava antigamente. Um bem surtido shopping center, rodoviária impecável para o povão, camelôs organizados, entre outras melhorias dignas.
- Gente! Deram um banho de loja geral em minha terra?!- deixou escapar, contente, em voz alta.
Logo após a curva da Pedra da Itapuca, a Praia de Icaraí despontou em matizes radiosos. A fala fácil de Miriam suspendeu-se, boquiaberta. A praia se exibia toda, donzela de corpo bem esculpido. Pessoas de idades variadas no passeio da manhã abençoada; carros discretos, em cadência civilizada, cordatos aos sinais de trânsito. E o sol suave do outono brasileiro, carícia pura na pele dos bebês.
Do playground do prédio, bem situado em ponto estratégico do Canto do Rio, óculos de grau a postos, a ex-niteroiense pode admirar, sem atropelos, o formato peculiar do moderno museu de Niemeyer. “Cálice de champanhe da casa de minha família”, observou, em silêncio. Zelando pela velha paisagem da orla marítima, o monumento parecia gritar:- Olha, minha gente! Aqui se faz cultura! E da boa! Ninguém precisa mais atravessar a Ponte para admirar a Arte, se divertir e encher a cabeça de belos devaneios!
E intactos, como no tempo da mãe, os contornos dos monumentos naturais da Cidade do Rio de Janeiro, oferecendo, gentis, à cidade-irmã, a vista esplendorosa. Lá... bem pertinho.
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sábado, 17 de maio de 2008

E agora, Minha Praia do Coração


Depois da nobreza toda sair da Suécia e de Portugal para o brasil, fui parar em Niterói
E assim, conheci Icaraí, minha praia da infância. Não posso deizar de falar dela, né mesmo?

Minha Praia
Praia de Icarai- Niterói - s/data

Revejo a foto da Praia de Icaraí, contrariada. Não, não estou disposta a lembranças. Por que fui abrir este site, meu Deus! Logo hoje, dia de ressaca de dores mal acompanhadas de sonolência, por conta de inúmeras tentativas de remediar o impossível!? Do saco de água “pelando”, do tempo de minha mãe, aos anti-inflamatórios poderosos, ruína dos estômagos sensíveis.
Por que não me deixo ficar na cama, sem me mover, na posição que melhor convier aos músculos tensos pelas -ites: tendinite, no lado direito do pescoço, e bursite, na articulação coxo-femural da perna esquerda? Por todos os lados, pois.
Nem me lembro de quantas vezes me vi com saco de água quente ou de gelo, massagens variadas, exercícios de esticar corpo, aplicação de ultra-som, tração cervical e outros paliativos, para terminar postada na cama por três intermináveis dias de bestar.
Agora, com a foto de Icaraí, Niterói, à minha frente, como a implorar recordações, não tem jeito: falo dela. Começo por uma praia de sonhos de menina do Fonseca, bairro sem mar, nem brisa fresca. Calorão de fim de ano e eu, vestida de uniforme do colégio, a suar, suar, suar...Icaraí, miragem de menina sedenta de frescor, substituta do sol grosseiro sobre roupa quente: saia de percal - uma mistura de brim e lãzinha -, blusa branca de popeline de manga comprida, sapato fechado preto, com meias brancas. Colégio de freiras.
Lá bem longe, Icaraí: maiô de lycra meio comprido, mas sempre maiô. E muito refresco gelado. De preferência, limonada, com muito gelo, muito açúcar e pouco limão.
Minha irmã e eu fugíamos da escola de bonde ou “lotação” - micro-ônibus da época - direto para a praia. Na pasta escolar, o maiô escondido. Então, que beleza! Infração, junto com praia, prazer em dobro.
E que praia! Areia branquinha, mar sereno, limpo, trampolim para os mais afoitos, biscoito timguilim - aquele cilíndrico, de casca levíssima e tostada, barulho anunciado semelhante à matraca de igreja na Semana Santa. E mais, sorvete de frutas ou creme, feitos a capricho em sorveteria doméstica, mineirinho - refrigerante bem doce, bolado por Niterói, sem entrada no Rio de Janeiro.
O mar de marola, pouca onda, límpido de se ver o corpo mergulhado até o pé, atraía à carícia da água ou à natação dos mais corajosos. No meio da Praia, a uma distância possível de se chegar a nado, o trampolim - idéia feliz, mas perigosa, não sei bem de qual prefeito. Sempre apinhado nos fins de semana calorentos, de céu azul, deixava cair ou saltar os meninos e rapazes indômitos, para horror dos mais velhos.
Depois das fugas eventuais, férias e Praia de Icaraí até ficar torrada, a ponto de minha mãe se envergonhar da “crioulinha” adolescente. E eu, prosa, com minha tonalidade de pele a la mulatas de Gauguin, sucesso garantido com os garotos. Maiô branco ou amarelo, para realçar a cor.
Estranho! A época era de muito preconceito racial, mas todas as minhas amigas invejavam o meu queimado praiano. Incoerência?! Verdade que, na praia, a morenice disfarçava qualquer celulite de meu corpo bem rotundo. Tipo boazuda, ideal dos rapazotes.
- Olha que morenão! Um traseiro!
À noite, o footing até nove e meia, no máximo. Pai severo, filhas medrosas obedeciam. Um dia, mal saindo da adolescência., o amor encontrado no passeio noturno. O moço moreno e forte fixou-me os olhos lânguidos, eu me derreti: caí de paixão. E o que era mais tesão do que amor, virou casamento.
Do dia do casório até o nascimento dos filhos, a praia tornou a ficar mais longínqua. Não porque se morasse tão longe assim, mas porque mulher casada sem desculpa de filho, não dava.
Assim que os filhos cresceram, puderam andar sem ajuda, a praia de novo, com assiduidade. Moradores de apartamento, já se sabe, têm que procurar lugar amplo, arejado, para distrair os filhotes, ajudá-los a crescer. Em Niterói, Icaraí nos dias de verão, ou Campo de São Bento, nos dias menos quentes.
A ida à praia tinha seu aparato: desciam do armário baldes, pás e ancinhos de plástico, barracas e cadeiras de lona... uma parafernália de uso obrigatório. Só que, às vezes, as crianças ignoravam seus pertences praianos, preferindo a bola, a peteca do vizinho de barraca ou buracos e castelos feitos à mão mesmo.
À volta, o gosto de um banho frio de ducha maravilha. À noite, sono fácil para toda a família: filhos, por excesso de brincadeira; pais, por excesso de trabalho e um tanto de preocupação com as peles ardidas das crianças. Para mim que, desde pequena, desenhava um dia feliz como de sol e praia, exaustão de prazer. E boa lembrança para toda a vida, não importa os acidentes de mergulho ou as ressacas na Boa-Viagem.
Anos depois, moradora de Copacabana, passo pela Praia de Icaraí. Cadê o trampolim? Cadê a areia limpa? Cadê a água de pés nítidos?
Com o crescimento imobiliário, Icaraí não deu conta dos prédios poluentes nem dos moradores. Os mais chiques fugiam para as Praias Oceânicas: Itacoatiara, Piratininga, Camboínhas...
Envergonhada, confesso: eu, também.
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Los pecadillos de los genios

Em espanhol, sim, porque estou em aula particular, preciso praticar e o texto foi devidamente corrigido,com pouco lápis vermelho, viu?
Mathilda Kovak escreveu Jardim de infância dos Genios, um livro infanto-juvenil super-super, que aconselho até para adultos. Mas eu, não pretendendo imita-la: escrevi o texto Pecadillos de los genios, por causa de artigo que cito no corpo do texto.
Aí vai:

Pecadillos de los genios

Habituada a admirar los genios por de su propia condición de superioridad en relación a nosotros, “pobres mortales”, de ser personas muy especiales, con un don privilegiado de Dios, me sorprendo, cada vez que los biógrafos relatan particularidades y extrañezas de su vida particular.
Freud, pobrecito, después de descubrir tantas cosas importantes en la psique humana, al final de la vida y en razón de un cáncer, tenía un olor tan malo que ni siquiera su perro lo suportaba. Shakespeare , el poeta y dramaturgo del amor inolvidable de Romeo y Julieta, escondía de todos la homosexualidad prohibida en su tiempo, que solo se puede percibir en algunos de sus sonetos de amor. Da Vinci era hijo ilegítimo; por esto, muchas veces, usaba el apellido Leonardo, y cuando murió, su cajón fue seguido por sesenta mendigos, de acuerdo con su extraño deseo. Voltaire estudió en una escuela jesuita y su éxito de debe mucho a las sátiras sociales en las cuales criticaba las costumbres de su época. Por esto, la Iglesia Católica lo condenó hasta después de la muerte, quitándole el derecho de ser enterrado en algún cementerio. Beethoven tuvo que vivir mantenido por nobles de Viena, mientras su producción musical después de la sordez se enriqueció
Los ejemplos son muchos, pero quiero hablar de un genio llamado Albert Einstein, comentado en el artículo de Luiz Miguel Ariza, También Einstein era relativo, en El País de domingo, 24/05/2008.
El hombre, que “reinventó la forma de mirar el universo y su espacio-tiempo”, tuvo esposas, amantes e hijos. Nada más natural en tiempos de hombres machistas, pero Einstein era demasiado inestable y pasional: escribió más de 4000 cartas de amor, tuvo un montón de mujeres, incluso una espía rusa y dos matrimonios conocidos, a pesar de no ser nada limpio con su cuerpo, como tampoco lo era James Joyce, un genio de la literatura inglesa.
Las convicciones de Einstein eran antagónicas: defendía muchos derechos humanos, como el derecho al aborto y el homosexualismo, era un pacifista que agredía a su mujer. Dicen que aceptaba la pena de muerte, pero escribió en defensa de los inmigrantes judíos que se iban a America en busca de protección.
La conclusión a que llego, al leer sobre hombres tan importantes en los diferentes campos del conocimiento humano es clara: Los genios son seres humanos. Y como tal tiene virtudes y pecados, igual que nosotros ¡Ufa, que alivio!

Maria Lindgren

quinta-feira, 15 de maio de 2008

pedacinho de poema de Alberto Caeiro

" O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda
E de vez em quando olhando pra trás..."
Ficções de Interlúdio

Agora sim, todos podem entender o porque dos gurassóis de Van Gogh. Não faço por menos

Lento..., extrato de poema de Natercia Freire

" Estou no fundo ou estou nos cimos?
Estou morta ou estou a sonhar?
Tenho as mãos presas nos limos
ou molhadas de luar"


Boas-vindas

Minha gente querida
Agradeço muito a visita a meu vício mais atual de escrever.
Que gostem e me perdoem os errinhos. Sou uma velha novata.
Maria Lindgren